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Especial de 20 anos: personalidades relembram 1ª edição do UFC no Brasil

Os desafios e os bastidores do UFC 17.5, contados por quem estava lá

Em 16 de outubro de 1998, o UFC desembarcava pela primeira vez no Brasil. O UFC 17.5, também chamado de UFC Brazil, trouxe duas disputas de cinturões (Frank Shamrock x John Lober, no peso-médio, e Pat Miletich x Mikey Burnett no peso-leve) e grandes confrontos de brasileiros ao Ginásio da Portuguesa, em São Paulo.

No aniversário de 20 anos do evento, a reportagem do UFC Brasil tenta relembrar alguns fatos memoráveis do card.

A primeira semente

Se até hoje existe estigma e preconceito em relação ao MMA, não é difícil imaginar como o esporte era percebido há 20 anos.

"Na época o MMA só aparecia nas páginas policiais, e pela primeira vez apareceu nas páginas esportivas dos jornais. Mesmo não sendo grandes matérias, já era um destaque. O Vitor já era conhecido da grande mídia, ele que começou a mostrar o MMA como esporte de pessoas de bem. Isso atraiu o interesse da mídia na época. E a vitória dele, por consequência, foi muito importante", diz Marcelo Alonso, pioneiro no jornalismo especializado em artes marciais mistas. 

Foto: Marcelo Alonso
Como qualquer evento histórico que se preze, o UFC Brazil deixou suas marcas. Além de ter sido o segundo card do UFC a não ser disputado em formato de torneio, o evento também teve uma regra, sugerida pelo promotor Sergio Batarelli: os atletas que usassem sapatilhas não poderiam chutar.

E as histórias são diversas...

Vitor Belfort e os rumores 

Vitor Belfort tinha apenas 22 anos e nunca havia lutado no Brasil, mas já era uma grande estrela do esporte. Tanto que, apesar de dois cinturões estarem em jogo na noite, era a luta do Fenômeno contra o estreante Wanderlei Silva que atraía as atenções do público.

Mas um rumor quase botou tudo a perder. O boato de que Belfort desistiria do combate surgiu dias antes da batalha, e logo os integrantes da equipe rival começaram as provocações. Alguns diziam que era lesão, outros afirmavam ser algum mal psicológico. Mas a mãe do lutador, dona Jovita, garante que era algo mais sério.

"Foi uma luta muito difícil porque ele estava vindo de uma contusão na hérnia de disco, e estava quase um ano sem lutar. Perto da luta ele ficou doente, teve uma verminose muito séria no intestino e fez um tratamento com remédios muito fortes. Mesmo assim a gente foi para a luta, mas foi muito difícil porque o Vitor não conseguia treinar".

"Um reflexo do remédio era a dor de cabeça. Ele estava ficando irritado, e começou a fofoca de que ele não iria lutar. E graças a Deus no dia da luta, como ele mesmo disse, parecia milagre. Ele acordou sem a mínima dor de cabeça, e nem parecia que tinha tido aquela semana horrorosa. A melhor resposta é dentro do Octógono, e foi o que aconteceu", disse.

Até hoje, o nocaute avassalador de Vitor sobre Wanderlei em meros 44 segundos de luta é lembrado com admiração pelos fãs. E para Marcelo Alonso, foi o início de uma das maiores rivalidades do Vale Tudo brasileiro: BTT (equipe derivada da Carlson Gracie Team) e Chute Boxe.

"Eu brinco que o marco zero é a luta. A rivalidade surgiu nas duas maiores escolas de lutas do Brasil, e a primeira vez que eles se confrontam é exatamente nessa luta". 

Pedro Rizzo e o curativo improvisado 

Outra luta que os fãs brasileiros estavam ansiosos para acompanhar de perto era entre Pedro Rizzo e Tank Abbott, mas não necessariamente por causa do brasileiro.

"Esse foi o primeiro evento que lutei de luva", conta Rizzo. "O Tank Abbott era meio folclórico, era algo como é hoje o Roy Nelson. Batia muito forte, era nocauteador e barrigudo. Na época não tinha limite de peso. Para lutar, eu bati 102 kg e ele bateu, se não me engano, 146 kg".

Como se a diferença de peso não bastasse, Rizzo ainda tinha uma preocupação extra. Em um treino com Ebenezer Braga a poucos dias da luta, o peso-pesado sofreu um corte abaixo do olho que precisou ser suturado. O plano era tirar os pontos antes de subir ao Octógono, mas com a recusa de um médico, o jeito foi improvisar. A dica veio de uma empresária de atletas como Don Frye e Dan Severn.

Foto: Marcelo Alonso"Ela falou para eu colocar superglue. 'O quê?!' 'Superglue, a superbonder'. Imagina a cagada. No hotel, esperando para ir para a arena, meti o superbonder e a pataca de vaselina em cima para esconder. De cara o Big John, que era o árbitro, viu que estava cortado e disse que teria que parar a luta se sangrasse muito. Falei: 'não para a luta por sangramento, por favor. Se eu cair nocauteado ou se ele me quebrar, tudo bem. Mas não para por corte pelo amor de Deus'. E aí fomos para a luta".

A vitória veio aos 8m07s do round único de 16 minutos, em um grande nocaute do brasileiro.

"Lutei com ponto, superbonder e vaselina, e graças a Deus não cortou. O sangue desceu um pouco, mas ficou preso na superbonder. O ruim depois foi para tirar o ponto, agarrado com superbonder e um monte de coisa junto (risos)". 

Medo de invasão

Já conhecendo a paixão brasileira, os organizadores advertiram as equipes de que invasões ao Octógono não seriam toleradas a fim de evitar que confusões similares à que aconteceu no Tijuca Tênis Clube em 1997.

"Antes da luta falei com o Carlson (Gracie, mestre de Belfort): 'isso ou vai levantar o Vale Tudo no Brasil, ou vai enterrar de vez. Você cuida do seu povo do jiu-jítsu, então se der alguma coisa errada eu vou culpar você'. E falei a mesma coisa para o Rudimar (Fedrigo, líder da Chute Boxe). Aí eles controlaram", conta Sergio Batarelli.

Ainda assim, os presentes não se contentaram e subiram ao cage para comemorar as vitórias dos colegas. Um caso notável é o de Pedro Rizzo, que ficou com medo de perder o salário.

"Eles falaram que a cada pessoa que invadisse além dos treinadores, descontariam 500 dólares por pessoa. Quando eu nocauteei o Tank, pularam mais de 20 dentro do Octógono. Falei: 'ferrou, vou ter que pagar pra lutar. Vou ter uma dívida com o cara'. Mas não descontaram nada". 

E foi apenas o começo

Muitos anos se passariam até que o Vale Tudo se transformasse no MMA como conhecemos hoje, e pode-se até dizer que outros acontecimentos - como a luta entre Anderson Silva e Vitor Belfort - foram mais importantes para o crescimento do esporte no Brasil. Mas não há como negar que aquele primeiro card, há 20 anos, foi o começo de tudo. 

"Eu que já dedicava a minha vida ao esporte desde 1992, pensei que estava começando a acontecer alguma coisa especial. Foi o momento especial de falar: 'pô, a mosquinha azul picou os fãs brasileiros'. A partir do momento que você vê um evento desse, você nunca mais é o mesmo", declarou Marcelo Alonso.  

(Todas as fotos da matéria foram gentilmente cedidas por Marcelo Alonso)

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