Eventos
A hora da aposentadoria é sempre um motivo de drama, seja qual for a área de atuação profissional de cada um. Porém, obviamente, quandos se trata de atletas as dificuldades são ainda maiores, afinal de contas, quem viveu desde a adolescência tendo academias e quadras como escritório e a endorfina como parceira diária não consegue facilmente aceitar a ideia de pendurar as chuteiras, tênis ou as luvas. Curiosamente no MMA, sem dúvida um dos esportes que mais exige fisicamente de seus atletas, a média etária de aposentadoria costuma ser mais alta que em esportes coletivos como futebol, vôlei e até basquete, onde dificilmente se chega aos 40 anos jogando em alto rendimento. E exemplos de grandes campeões como Randy Couture e Dan Henderson, que se aposentaram aos 46 anos, estão aí para inspirar cada vez mais as novas gerações de quarentões que já começam a pensar nos últimos passos da carreira.
Esta é, sem duvida, uma questão que tem merecido cada vez mais atenção dos fãs brasileiros, visto que nos próximos nove meses quase 10% dos representantes nacionais no UFC (oito dos 94 atletas contratados) já terão cruzado a barreira das quatro décadas de vida. Além de Anderson, que completou 44 anos este ano, Rogério Minotouro (completa 43 anos em dezembro); Fabricio Werdum (faz 42 anos em julho); Demian Maia (faz 42 em dezembro); Francisco Massaranduba (completa 41 em agosto); Ronaldo Jacaré (faz 40 anos em dezembro); Glover Teixeira (faz 40 em outubro); e o caçula dos veteranos, Léo Santos, entrará no time dos quarentões em fevereiro de 2020.
E se a idade física (ou quilometragem) for colocada em pauta, o número de representantes nacionais se aproximando do epílogo da carreira chega facilmente a 15% do plantel atual de lutadores brasileiros no UFC: Johhny Eduardo (tem 38 anos, mas 23 anos de carreira e 40 lutas); Thiago Pitbull (tem 35 anos, mas já fez 37 lutas em 18 anos de carreira); Maurício Shogun (tem 37 anos, 37 lutas e 17 anos de carreira); Renan Barão (tem só 32 anos, mas 43 lutas); e o próprio José Aldo (32 anos e 33 lutas), que já deixou claro que se aposentará do esporte após sua próxima luta. Com uma porcentagem tão alta de lutadores entrando na etapa final de carreira, é natural que um assunto tão complexo seja cada vez mais debatido. Afinal, qual a hora certa de parar?
Existe vida além do cinturão
Desnecessário dizer que não existe uma fórmula pronta. E a maior prova disso são os oito quarentões brasileiros citados no início deste texto. Todos eles vivendo momentos absolutamente distintos de suas carreiras e cada um merecendo uma avaliação totalmente individual. Até porque, não há como resumir a carreira de um lutador apenas a números. Vários fatores, além de idade e quilometragem, entram nesta equação. Nocautes sofridos, motivação, necessidade financeira e contusões são alguns deles. E é exatamente a combinação destes fatores que define se é melhor pendurar as luvas ou se ainda há lenha pra queimar.
Há de se ter em mente que para um lutador que já foi campeão e esteve entre os melhores da divisão a vida inteira, a queda de rendimento nem sempre é sinônimo de aposentadoria. Às vezes uma readequação dos objetivos, e consequentemente do nível dos oponentes, permite que o veterano atue por mais alguns anos.
Quando a aposentadoria é necessária
Mas nesta redefinição dos próximos passos, bom senso e um bom manager são essenciais. Quando o corpo dá sinais de desgaste, isto impacta diretamente na carga de treinamentos mínima necessária para qualquer competição em alto rendimento. Dependendo do grau da perda de força, velocidade e capacidade de absorção de golpes, o atleta pode não conseguir atingir mais um padrão mínimo para lutar em alto rendimento, ai não há como insistir. É o que temos visto com BJ Penn, uma das maiores lendas da história do esporte e o segundo atleta na história do UFC a conquistar cinturões em duas divisões. A questão principal que fez BJ chegar à triste sequência de sete derrotas consecutivas não se resume às perdas naturais em decorrência de sua idade (40 anos), mas principalmente ao fato de o havaiano ter abandonado por quase nove anos a rotina de treinos de um atleta profissional. Ano passado tentou retomar, fazendo um camp completo na Nova União, mas obviamente não foi o suficiente. E no caso de BJ, não há como reclamar do trabalho de seu manager e do próprio UFC, que após o nocaute sofrido para Yair Rodrigues em seu retorno em 2017, tiveram o cuidado de respeitar sua história colocando-o contra três oponentes não ranqueados: Dennis Siver, Ryan Hall e Clay Guida. Mesmo assim, não foi suficiente. O caso de BJ é o melhor para exemplificar onde a única solução é a aposentadoria.
Após a derrota de Rogério Minotouro para Ryan Spann no ultimo UFC Rio, vi muita gente o colocando na mesma categoria de BJ e pedindo sua aposentadoria imediata. Novamente voltamos à complexidade do debate. Se o único objetivo de Minotouro fosse retornar ao seu padrão dos tempos de Pride, quando finalizou Dan Henderson, Overeem e venceu Sakuraba, certamente deveria parar, mas não é o caso. Rogerio está ciente de que não tem mais condições de lutar pelo cinturão. E como vimos no UFC São Paulo há 8 meses, quando nocauteou Sam Alvey, ainda existem oponentes competitivos na divisão para seu patamar atual. No caso de Minotouro, o fator financeiro também desempenha um papel importante na equação. Sendo assim, bastaria contar com o bom senso e com o poder de negociação de seu manager para conseguir cavar boas lutas e, quem sabe até, se despedir lutando no Brasil.
40 anos, mas ainda entre os Top 10
Dois bons exemplos do quão complexa é esta discussão sobre o fim de carreira são Glover Teixeira e Ronaldo Jacaré. Ambos completarão 40 anos ainda em 2019 e continuam competitivos, figurando entre os 10 melhores de suas divisões. Paradoxalmente, aos 38 anos, quando estavam no ápice de suas carreiras, ambos decidiram diminuir a carga de treinos. Glover, que já havia disputado o cinturão com Jon Jones, parou de fazer seus camps na ATT e abriu sua própria academia em Connecticut, onde passou a treinar com os alunos. A queda de rendimento foi clara e o mineiro passou a alternar vitórias e derrotas. Já Jacaré, após sofrer algumas contusões em decorrência dos treinos pesados na X-Gym, resolveu se mudar com a família para a Flórida, onde passou a treinar na pequena equipe Fusion X-Cell.
Depois de quase 20 anos competindo em alto rendimento no jiu-jitsu e no MMA e levando o corpo ao limite, Jacaré tem todos os motivos do mundo para finalmente buscar a sua merecida zona de conforto e dar a seus filhos a infância que não teve em Manaus. A grande pergunta é: por que logo no ápice de sua carreira, no momento em que se aproximava do cinturão? O fato é que o timing equivocado em suas decisões acabou sendo definitivo nas derrotas para Gastelum, Whitaker e Hermansson, que acabaram o tirando da tão sonhada luta pelo título.
Mas quem conhece a história e a genética de Jacaré sabe que, se ele conseguisse se motivar nos últimos anos de sua carreira, buscando voltar ao seu melhor com a ajuda de uma grande equipe, ainda poderia vencer mais uma ou duas lutas e realizar seu sonho de lutar pela cinta. Aos 42 anos de idade, Yoel Romero está aí para provar que ainda é tempo de acreditar. Mas como esta hipótese me parece improvável, minha aposta é que Jacaré e Glover continuem lutando em alto rendimento e dando muito trabalho para a garotada que tenta chegar ao topo por por mais dois ou três anos e se aposentem aos 43 ou 44 anos, quando perderem totalmente a motivação para os treinos.
Velhinhos sinistros
Existem ainda os casos extremos de atletas que tiveram uma vida regrada, não sofreram tantos nocautes e por isso cruzaram a barreira dos 45 anos. É o caso de Randy Couture e Dan Henderson. E tudo indica que Anderson Silva entrará neste seleto hall. Para quem não lembra, Henderson venceu Maurício Shogun naquela luta antológica em Natal aos 44 anos, e Randy Couture conquistou seu quinto e último cinturão do UFC ao vencer Tim Sylvia com 43 anos de idade, em 2007. Curiosamente, a mesma idade em que Anderson enfrentou o atual campeão interino, Israel Adesanya (de apenas 29), numa das mais belas atuações de sua carreira. Três meses depois, o gênio aclamado nas mídias sociais se machucou ao final do primeiro round da luta contra Jarred Cannonier no UFC 237 e passou a ter sua aposentadoria vociferada nas mesmas mídias sociais. O próprio Anderson, num texto postado em seu Twitter, deu sinais de que já começa a pensar na possibilidade de pendurar as luvas.
Pelo que mostrou há alguns meses contra Adesanya, não há duvidas de que Anderson tem condições de competir em alto rendimento por mais algum tempo. Com sua genialidade, fez ajustes importantes para adaptar seu jogo à perda natural dos reflexos, velocidade e capacidade de absorção, mas talvez seu corpo já esteja sentindo muito a carga de treinamentos. Questionamentos que só ele pode responder. Pessoalmente, tenho a opinião de que se o UFC tiver com Anderson a mesma consideração e bom senso que mostrou com o BJ, certamente Spider tem mais uns bons 2 anos para entreter os fãs. Obviamente, sabemos que Anderson Silva é um lutador caro para o evento e não há como colocá-lo para encabeçar cards enfrentando lutadores de segundo nível, mas se levarmos em conta que muitas outras lendas começam a entrar na reta final de carreira, obviamente não faltam opções de superlutas para o maior peso medio da história, um dos poucos lutadores do plantel atual do UFC que atrai a atenção dos fãs em shows em qualquer lugar do globo.
Quando o jiu-jitsu é a fonte da juventude
Aos 42 anos, os gênios do jiu-jitsu Demian Maia e Fabrício Werdum dão toda a pinta de que integrarão o time dos que conseguiram romper a improvável barreira alcançada por Couture e Henderson. Um feito que dependerá basicamente de motivação, uma vez que ambos continuam integrando a elite de suas divisões. Graças, obviamente, ao jiu-jitsu diferenciado que possuem, que permitiu que conseguissem passar 17 anos no MMA com pouquíssimos nocautes (Demian levou um em 35 lutas e Werdum três em suas 32 lutas).
Werdum, que já foi campeão do UFC, figurava entre os sete melhores da divisão dos pesados quando foi suspenso pela USADA por dois anos em setembro de 2018, por testar positivo para a substância trembolona. Segundo me disse na semana passada, em 11 meses estará de volta ao octógono do UFC. E seu objetivo continua sendo brigar pelo cinturão.
Demian nunca conquistou o cinturão dos meio-médios, mas passou os últimos cinco anos entre os top 5 da divisão. Depois de sete vitórias consecutivas, Maia disputou o cinturão, aos 39 anos, no ápice de sua forma, contra o duríssimo Tyron Woodley. Perdeu na decisão e, na sequência, foi derrotado pelos outros dois top wrestlers da divisão: Colby Covington e o atual campeão Kamaru Usman. Muitos pensaram que o dono do melhor jiu-jitsu do UFC poderia ter se desmotivado pelas três derrotas consecutivas. Ledo engano. Demian voltou em fevereiro de 2019 finalizando o duríssimo Lyman Good em pouco mais de 1 minuto, se mantendo em 12º do ranking. O brasileiro já disse que não deverá renovar o contrato, mas pelo que mostrou nas últimas lutas, certamente poderá estender a carreira até os 44 anos, caso tenha motivação para tal.
Por falar em gênio do jiu-jitsu, outro grande campeão da arte suave que só tem um nocaute na carreira e em 2020 integrará o time dos quarentões do UFC é Leonardo Santos. Provavelmente um dos mais injustiçados lutadores brasileiros na história do evento. Campeão do TUF Brasil 3, o atleta da Nova União fez seis lutas desde que estreou na organização, em 2013. E mesmo tendo conquistando cinco vitórias e apenas um empate, foi esquecido pelo evento desde outubro de 2016, quando conquistou sua última vitória, sobre Adriano Martins. Em 2015, havia nocauteado Kevin Lee e finalizado Tony Martin, que desde então fez 8 lutas (venceu 7) subiu de categoria e enfrenta Demian Maia no dia 29 de junho.
Leo volta ao octógono no dia 1º de junho contra Stevie Ray na Suécia. E os brasileiros certamente estarão na torcida, pois este é outro que tem tudo para romper a barreira da idade e representar o Brasil em alto rendimento, tranquilamente, por mais três ou quatro anos.
Outro quarentão brasileiro revelado no TUF Brasil que ainda não apresenta indícios de queda de rendimento é Francisco Massaranduba, que figurou por muito tempo entre os top 15 da divisão dos leves. Desde que estreou no UFC, em 2012, Massara fez 18 lutas, tendo conseguido 13 vitórias. Com nove vitórias nas últimas 11 lutas, tudo indica que o atleta da Evolução Thai também está longe da aposentadoria.
A conclusão que se chega é que não há fórmula mágica para decidir a hora de parar. Como vimos nos exemplos acima, cada caso é um caso. No final das contas, o bom e velho bom senso sempre será o grande diferencial.
O mais importante é que o Brasil continua sendo um dos maiores celeiros produtores de talentos do mundo. Mesmo com a possibilidade de veteranos encerrarem suas carreiras nos próximos anos, o panorama é de muito otimismo. Afinal de contas, além de representantes de alto nível da geração intermediária, como Junior Cigano, Rafael dos Anjos, Edson Barboza, Cris Cyborg, Amanda Nunes, Charles do Bronx e Thiago Marreta; a renovação de talentos também vai bem, obrigado, inclusive com varias possibilidades de novos campeões despontando, como Marlon Moraes, Paulo Borrachinha, Renato Moicano, Johnny Walker e Jéssica Bate-Estaca, que, aliás, acaba de conquistar o 3º cinturão brasileiro no maior evento do mundo. E se há renovação, não há motivo de preocupação para o Brasil, que continua sendo a segunda maior potência do esporte no mundo.
Tags