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Blog do Marcelo Alonso

Caso Dillashaw chama atenção para importância de estudos sobre os impactos da perda de peso

Depois de rondar o Octógono em diversas edições em 2018 (Miocic x DC, Amanda x Cyborg, Ortega x Edgar, Cejudo x Johnson) o imponderável resolveu dar as caras logo no primeiro UFC de 2019. Por mais que se imaginasse a possibilidade de as “perdas da balança” impactarem na atuação de TJ Dillashaw contra Henry Cejudo, o fato é que nem os córneres do campeão peso-mosca apostariam num nocaute em 32 segundos.


Pela maneira precipitada com que o árbitro Kevin MacDonald interrompeu a luta, era natural que o foco do debate após o evento passasse a ser quase que exclusivamente o possível erro de arbitragem, principalmente depois que Dana White disse concordar com as reclamações de Dillashaw. Mas a meu ver este resultado merece uma análise mais cuidadosa, principalmente por estar relacionado a uma questão tão importante para a evolução do nosso esporte: as superlutas entre campeões de categorias distintas.

Obviamente Cejudo merece todos os aplausos. Afinal de contas, além de garantir uma sobrevida à categoria, conseguiu em apenas seis meses, vingar uma derrota para o maior campeão da história do UFC, Demetrious Johnson (único com 11 defesas de cinturão), e atropelar em apenas 32 segundos o maior peso-galo da história. Vale aqui ressaltar que o único campeão Olímpico e campeão do UFC começou a treinar MMA há apenas seis anos. 

O profissionalismo do desafiante também merece reconhecimento. Afinal de contas, TJ investiu numa equipe de profissionais que o ajudou a perder quase 15kg em 12 semanas, chegando à balança 400 gramas abaixo do peso. De qualquer maneira, levando em conta a maneira como a luta transcorreu e o histórico de ambos lutadores, não há como deixarmos de cogitar uma relação causa-efeito. Afinal de contas, em 8 anos de carreira Dillashaw enfrentou alguns dos maiores strikers da divisão dos galos e só perdeu por TKO uma única vez (para John Dodson na final do TUF em 2014). Em suas 14 lutas no UFC absorveu golpes duríssimos aplicados por John Lineker (com quem lutou 15 minutos), Dominick Cruz (25 minutos), Raphael Assunção (30 minutos), Renan Barão (38 minutos) e Cody Garbrandt (12 minutos). Diante de um histórico desses há de se ter ao menos uma pulga atrás da orelha ao ver o americano cair como um saco de batatas ao sofrer um empurrão e na sequência cair sentado ao receber um soco na têmpora desferido pelo campeão dos moscas, que em suas nove lutas no UFC, só venceu uma vez por nocaute técnico (contra Wilson Reis).

Independente do impacto dos golpes subsequentes, ficou clara a diferença de força física absurda entre os dois, o que certamente influiu na decisão, um pouco precipitada, do árbitro em preservar a integridade física do campeão dos galos. 

Obviamente é de se esperar que Dillashaw não reconheça a interrupção do árbitro, exatamente por ter como referência os golpes bem mais duros que levou de alguns dos maiores nocauteadores da divisão de cima e se recuperou. O que ele talvez não tenha entendido é o tamanho do impacto prático do processo que o levou a bater 57kg. Além de perder massa muscular, o que afeta diretamente em sua velocidade, explosão e poder de nocaute, obviamente houve uma desidratação das meninges que recobrem o cérebro, o que leva a uma alteração grande em sua capacidade de absorção de golpes.

É natural que TJ continue jogando todo o peso da derrota nas costas do árbitro, insistindo numa revanche na divisão dos moscas, mas cabe aqui uma reflexão por parte de seus treinadores e equipe, o ajudando a entender que seu corpo perdeu valências importantíssimas nesta descida de peso, convencendo-o a fazer a revanche no seu peso de origem.

Sabemos que MMA não é matemática. Por toda a evolução que vem mostrando, obviamente Cejudo pode voltar a vencer nos galos, inclusive por nocaute, mas levando em conta o momento que o esporte vive seria irresponsável não se fazer ao menos uma reflexão acenando para a importância de investimento científico em pesquisas na área.
 

O MMA tem apenas 25 anos de vida, mas graças as experiências de primos centenários, como o boxe e o futebol americano, tem investido pesado em estudos científicos sobre a encefalopatia traumática crônica (ETC), o mal que acomete praticantes de todos os esportes onde o cérebro é chacoalhado.

Hoje, mesmo com as pesquisas ainda engatinhando, os cientistas já conseguiram fazer grandes descobertas que podem impactar positivamente na geração que ainda atua no esporte. E toda esta evolução tem sido possível a partir de questionamentos gerados a partir da prática, como por exemplo os sintomas da concussão de Max Holloway no processo de desidratação para a primeira luta contra Brian Ortega, que até hoje tem levado médicos e cientistas a quebrarem a cabeça, mas ainda continua sem uma explicação clara.

Os efeitos de processos de desidratação extrema, como estes feitos por Dillashaw, Holloway e tantos outros ícones do MMA também precisam ser urgentemente tabulados até que a ciência consiga mensurar com precisão seus danos de maneira a diminuir os impactos na saúde e na vida útil do atleta e a partir daí ajudar os órgãos reguladores a estabelecerem limites razoáveis.

O fato é que não adianta o MMA ser o esporte mais avançado do mundo no controle antidoping e continuar na idade da pedra nos estudos dos perigos dos cortes extremos na pesagem.

Num momento onde os campeões sonham em ampliar seus legados dominando outras categorias é natural que os fãs queiram ver os melhores se enfrentando em superlutas históricas, mas não podemos esquecer que o MMA é o esporte mais traumático que existe e que quanto mais investimento em ciência o esporte tiver, por mais tempo teremos nossos ídolos em atividade.