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O UFC 247 que será realizado no próximo sábado em Houston, Texas, terá duas disputas de cinturão marcadas por total favoritismo dos campeões: Jon Jones (80%) e Valentina Shevchenko (90%). Sinceramente não me recordo de um UFC numerado que tivesse zebras tão grandes nas duas lutas principais.
Quem acompanha o esporte sabe que, de fato, Dominick Reyes e Katlyn Chookagian terão pela frente tarefas indigestas. Reyes pega aquele que, para muitos, já é o maior lutador de todos os tempos e Katlyn luta contra a 2ª colocada no ranking peso por peso feminino, atrás apenas de Amanda Nunes.
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Mas em se tratando de MMA não é preciso ir muito longe para lembrar quantos resultados inesperados vimos nos últimos anos (GSP x Serra, Anderson x Weidman, Werdum x Fedor, Rockhold x Bisping). São dezenas, senão centenas, de “quebras de banca” antológicas que transformaram este no mais imprevisível e apaixonante dos esportes de combate.
Diante de um favoritismo tão esmagador seria óbvio demais, além de extenso, comentar as diversas maneiras que Jones e Shevchenko poderiam chegar a vitória, então vamos nos ater aqui aos tortuosos caminhos que podem levar Reyes e Chookagian a calarem o mundo no sábado.
Nos passos de Thiago Marreta
Se o MMA é um jogo de perguntas e respostas, o que fazer diante de um gênio que já foi testado 27 vezes e nunca errou diante das mais complicadas equações? Este questionamento deve ter tirado o sono do treinador de Dominick Reyes nos últimos três meses. Afinal, como podemos surpreender este fora de série que tem a maior “caixa de ferramentas” do esporte, um QI de luta acima da média, além de um físico que parece ter sido desenhado para o MMA?
Se a resposta fosse simples já teria sido dada, mas o fato é que não há outro caminho que não seja examinar os buracos encontrados por oponentes anteriores. E no quesito “ameaças ao campeão” não há como negar que Thiago Marreta e Alexander Gustafsson foram aqueles que chegaram mais perto da vitória.
O sueco, que tem dois metros de envergadura, conseguiu complicar Jones (2m14) controlando a distância da média para a longa nos rounds iniciais, mas a partir do 3º round Jones ajustou o “GPS”, recalculou a rota e, com algumas cotoveladas geniais na curta, garantiu a vitória. Cinco anos depois, na revanche, o campeão fez os ajustes necessários e o sueco não viu a cor da bola. Resultado: nocaute a 2m02s do 3º round.
Em sua última luta, no entanto, o próprio Jon Jones reconheceu um buraco no seu jogo. E quem o encontrou foi o brasileiro Thiago Marreta, que por muito pouco, não quebrou a banca com seus potentes low kicks.
Para azar do campeão, os low kicks também são um ponto forte do jogo de Reyes, como vimos contra Oezdemir e OSP. Mas quem acompanha Jones sabe que, sete meses após a luta com Thiago, certamente ele trará novas respostas para as questões trazidas pelo brasileiro. Será que antecipará os chutes com seus temidos pisões no joelho, com entradas de queda ou contra-golpeando com combos? Só saberemos no sábado.
De qualquer maneira, Dominick deve chegar com os low kicks muito afiados, afinal a arma tática de Marreta se enquadra bem melhor ao seu biotipo do que a de Gustafsson, uma vez que Reyes tem uma desvantagem de 19cm na envergadura para o campeão.
Um outro ponto importante que deve ter sido muito explorado pelo treinador de Reyes, o ex-lutador do UFC Joe Stevenson, é a movimentação lateral. Jones costuma encurralar seus oponentes na grade como um atirador faz colocando suas vítimas em sua alça de mira. Seja para seus chutes, cruzados, quedas ou cotoveladas. O diferencial de Reyes é que ele bate muito bem andando para trás ou para o lado. Vimos isso em seu nocaute sobre Chris Weidman e no knockdown aplicado em OSP.
Já que não tem absolutamente nada a perder, Reyes poderia buscar surpreender o campeão entrando muito agressivo já no 1º round, normalmente usado por Jones para ajustar as distâncias e sentir o oponente. Se conseguir surpreender o campeão neste momento de “ajuste de GPS” conectando uma única mão esquerda, Dominick Reyes pode, sim, quebrar a banca e escrever seu nome na história do esporte. Expostas estas possibilidades, a minha aposta continua sendo em uma vitória de Jones por pontos.
Volume x Potência
Se na luta principal Jones tem 80% de favoritismo, na co-principal a campeã do peso-mosca Valentina Shevchenko chegou a bater 90% nas casas de apostas diante da desafiante Katlyn Chookagian.
Múltiplas vezes campeã mundial de kickboxing e faixa-preta de judô, Valentina começou a lutar MMA em 2003 e de lá para cá adicionou wrestling e jiu-jítsu ao seu jogo, se transformando na lutadora que é claramente superior a todas da divisão.
A questão é que, assim como Jones, Valentina alterna atuações memoráveis, como as vitórias sobre Juliana Penna e Jessica Eye, com outras mais monótonas como a sua última luta contra Liz Carmouche. Por ser naturalmente uma contragolpeadora, a representante do Quirguistão costuma jogar seus golpes matadores em cima do ataque das oponentes. Talvez, resida aí a grande chance da desafiante.
Apesar de ser faixa-marrom de Renzo Gracie, a norte-americana fundamenta seu jogo no boxe. Unindo velocidade, uma envergadura privilegiada para a divisão e muito volume, Katlyn chegou à 1ª posição do ranking após vencer cinco de suas últimas seis oponentes. Curiosamente as únicas que conseguiram derrotá-la (em decisões divididas) em suas 15 lutas de MMA foram as duas últimas oponentes de Shevchenko: Jessica Eye (nocauteada pela campeã) e Liz Carmouche (derrotada por pontos e demitida do UFC, na sequência).
Apesar de ser 10cm mais alta que a campeã (1,75m x 1,65m), a norte-americana só tem 2cm de vantagem na envergadura. Neste clássico volume x potência, fica claro que o melhor caminho para a desafiante será tentar controlar a distância, usando sua velocidade e movimentação lateral para tentar conectar mais golpes e vencer a luta por pontos.
Tendo em vista o xadrez tático desta luta, minha previsão é que o combate comece chato, mas esquente no final, com a campeã começando em desvantagem e sendo obrigada a sair de suas características para buscar quedas ou um nocaute nos últimos rounds.
Antonio Arroyo, o único representante brasileiro
O paraense Antonio Arroyo será o único brasileiro no card deste UFC 247. Vindo de derrota (decisão) para o mineiro André Muniz, Arroyo terá pela frente o wrestler Trevin Giles, local do Texas, que vem de duas derrotas por finalização no 3º round. No papel, Giles tem ferramentas para repetir a tática que complicou Arroyo na estreia: wrestling com pressão constante. Caberá ao carateca brasileiro evitar este jogo com muita movimentação lateral, complementando suas defesas de queda com sequências, de preferência, terminando com seus potentes low kicks que podem minar a perna da frente, essencial para o jogo do texano.
O brasileiro também tem um bom nível no solo, onde costuma ter facilidade de chegar às costas dos oponentes, tendo ainda o katagatami e a guilhotina como seus golpes fortes. Como certamente não terá moleza para derrubar o wrestler, a guilhotina deve ter sido muito treinada pela equipe de Arroyo, principalmente nas defesas de quedas, afinal de contas o norte-americano foi finalizado com este golpes em suas duas últimas lutas (Zak Cummings e Gerald Meerschaert) e certamente entrará assombrado pelo fantasma da demissão, caso contabilize sua 3ª derrota consecutiva.
O brasileiro é mais técnico em pé e superior no solo, o norte-americano leva vantagem no jogo de grade, no gás e é superior no wrestling. Além disso, ambos têm poder de nocaute e não costumam deixar suas lutas para a decisão dos juízes. Sem dúvida, este último combate do card preliminar tem todos os ingredientes para receber algum bônus ao final do evento. O Combate transmite este UFC 247 neste sábado a partir de 19h45 (horário de Brasília).