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Entrevistas

Cinco lutas no UFC, cinco ensinamentos

Netto BJJ, que sobe no Octógono neste sábado no UFC Newark, conta que tira de cada um de seus combates pela organização uma lição de vida

Brasil

Todas as vezes que sobe no Octógono, Joaquim Antônio Magalhães da Silva sabe que o que tem pela frente não é apenas mais uma luta.

Netto BJJ, como é conhecido, encara seus combates com outro espírito. Para o atleta, cada um deles é uma oportunidade de tirar ensinamentos valiosos para sua carreira e para sua vida.

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O goiano de Anápolis – que soube que queria ser lutador quando viu, ainda criança, um vídeo do UFC 1 em que o franzino Royce Gracie venceu alguns brutamontes – tem 12 lutas em seu cartel de MMA, com 11 vitórias.

Pelo UFC fez cinco lutas, das quais teve seu braço levantado em quatro – a sexta acontece neste sábado, no UFC Newark, contra o alemão Nasrat Haqparast. Estratégico e observador, ele analisou, a nosso pedido, cada um desses seus últimos combates. E contou o que aprendeu com eles.

LAS VEGAS, NV - SEPTEMBER 05: (L-R) Joaquim Silva knees Nazareno Malegarie in their lightweight bout during the UFC 191 event inside MGM Grand Garden Arena on September 5, 2015 in Las Vegas, Nevada.  (Photo by Brandon Magnus/Zuffa LLC/Zuffa LLC via Getty

LAS VEGAS, NV - SEPTEMBER 05: (L-R) Joaquim Silva knees Nazareno Malegarie in their lightweight bout during the UFC 191 event inside MGM Grand Garden Arena on September 5, 2015 in Las Vegas, Nevada. (Photo by Brandon Magnus/Zuffa LLC/Zuffa LLC via Getty Images) *** Local Caption *** Joaquim Silva; Nazareno Malegarie


Luta 1: Nazareno Malegarie, no UFC 191, em setembro de 2015

O ensinamento: “Mesmo quando tudo parece difícil, a perseverança ajuda a não desistir.”

“Era minha estreia no UFC e foi uma mistura de emoções. Emoções e aprendizado. Participei do The Ultimate Fighter [Brasil 4] em Las Vegas. Saí do Brasil e tive meu primeiro contato com a América para participar de um reality show do tamanho que é o TUF. Foi uma experiência muito impactante pra mim e posso dizer que lá eu envelheci 10 anos em dois meses em questões de carreira. A evolução que eu tive foi muito grande. Poder fazer minha estreia no mesmo ano foi uma coisa muito grandiosa para mim [Netto perdeu nas semifinais, mas foi chamado para o UFC por causa de seu bom desempenho]. Não tinha melhor lugar para fazer minha estreia no UFC do que em Vegas, no MGM, palco dos maiores shows do mundo. Era uma emoção e uma felicidade muito grandes. Ao mesmo tempo, o adversário era o Nazareno. Tive ele na casa do TUF como um grande amigo. A gente ainda brincava um com o outro que ia fazer a final do TUF, que seria uma final Brasil contra Argentina. E de fato aconteceu essa luta. Ele me contava sobre os sonhos, a família, como a oportunidade seria grandiosa pra ele. Ganhando, eu roubaria o sonho dele, acabaria com ele. Porque a gente sabia que um poderia ser contratado e o outro não. Lidar com essas emoções foi difícil. Tive que esquecer disso na minha preparação, focar 110% em todos os anos que eu tive de treinamento, o tanto que busquei aquilo. Durante a luta, quebrei minha mão no primeiro soco que dei e tive que lutar assim. Tirei uma lição muito grande: a gente nunca pode desistir. Sempre pode ir um pouco mais além porque a gente sempre consegue. Lutei por três rounds sentindo muita dor e consegui vencer. Mas tive que ter perseverança, vontade de não desistir. No fim da luta, foi um baque para mim. Fui abraçar o Nazareno e não disse nada. A gente sabia que, como profissional, poderia lutar um contra o outro. Mas eu senti bastante.”

LAS VEGAS, NV - JULY 08:  Joaquim Silva of Brazil celebrates after his TKO victory over Andrew Holbrook in their lightweight bout during The Ultimate Fighter Finale event at MGM Grand Garden Arena on July 8, 2016 in Las Vegas, Nevada.  (Photo by Brandon M

LAS VEGAS, NV - JULY 08: Joaquim Silva of Brazil celebrates after his TKO victory over Andrew Holbrook in their lightweight bout during The Ultimate Fighter Finale event at MGM Grand Garden Arena on July 8, 2016 in Las Vegas, Nevada. (Photo by Brandon Magnus/Zuffa LLC/Zuffa LLC via Getty Images)


Luta 2: Andrew Holbrook, no TUF Finale, em julho de 2016

O ensinamento: “Sempre que trabalhar muito duro vou colher algo muito bom.”

“Voltei para Vegas em 2016 depois de um período sem lutar porque estava me recuperando da fratura na mão. Tentei pegar uma luta em janeiro de 2016, mas não consegui completar o camp porque a lesão na minha mão voltou. Mas me curei dela e em julho de 2016 peguei essa luta contra um atleta que era invicto, era 11-0. Na época eu estava 8-0. Todo mundo estava falando da luta. Ela foi casada para uma semana bem importante: o UFC 200 seria no sábado, e o evento em que lutei era na sexta. Foi uma motivação muito grande saber que eu participaria de tudo aquilo. E eu me recordo que foi uma das lutas em que mais treinei. Trabalhei muito duro, muito duro mesmo, de domingo a domingo. Fui até egoísta em relação a quem estava mais perto de mim, tipo namorada da época, de tanto que eu queria voltar a lutar depois da lesão. Queria dar o melhor de mim. Na luta, nocauteei o Andrew em 34 segundos. Consegui segurar um chute dele, quedei e, quando ele foi levantar, acertei um golpe com minha mão direita. Ele caiu nocauteado e acertei mais uns golpes até o árbitro parar. Subi para comemorar na grade do Octógono. Passou um filme na cabeça do tanto que trabalhei duro. E foi isso que ficou dessa luta: o trabalho duro vale muito a pena. Se você trabalha muito duro, você vai colher os frutos, e eles sempre são positivos. Sempre que trabalhar muito duro vou colher algo muito bom.”

STOCKHOLM, SWEDEN - MAY 28:  (L-R) Joaquim Silva punches Reza Madadi in their lightweight fight during the UFC Fight Night event at the Ericsson Globe Arena on May 28, 2017 in Stockholm, Sweden. (Photo by Jeff Bottari/Zuffa LLC/Zuffa LLC via Getty Images)

STOCKHOLM, SWEDEN - MAY 28: (L-R) Joaquim Silva punches Reza Madadi in their lightweight fight during the UFC Fight Night event at the Ericsson Globe Arena on May 28, 2017 in Stockholm, Sweden. (Photo by Jeff Bottari/Zuffa LLC/Zuffa LLC via Getty Images)


Luta 3: Reza Madadi, no UFC Estocolmo, em maio de 2017

O ensinamento: “Temos que entrar de corpo e alma em algo que nos propomos.”

“Na sequência, o UFC me colocou para lutar contra o Gregor Gillespie no UFC Brasília [em setembro de 2016]. Fiquei superempolgado e voltei a treinar. Na primeira semana do treinamento, tive uma lesão muito grave no joelho. Faltou um grau para operar o colateral medial. Meu joelho estava solto. Um atleta caiu em cima da minha perna durante o treinamento e faltou muito pouco para romper o ligamento. Tive que sair dessa luta, ficar um tempo de molho, fazer um período de recuperação, fisioterapia e depois a parte de reabilitação. Fiz todo o processo. Eu estava muito ansioso para lutar e tive que ter esse período de paciência. E então marcaram outra luta. Era contra um russo, Mairbek Taisumov. Treinei muito, muito, muito minha trocação porque ele é um striker. Duas semanas antes do evento ele se machucou e saiu da luta. E entrou o Reza Madadi, que é um grappler, participou de inúmeras competições de wresling, a luta dele é sempre baseada em quedar o adversário. Era um adversário com um jogo totalmente diferente do que eu havia planejando. Pensei só em alterar uma coisinha aqui ou ali e, como estava bem treinado, aceitei. Fui pra Suécia, cheguei lá num fuso horário totalmente diferente. Às 3h da manhã o sol escondia um pouco, às 4h aparecia de novo. Era muito louco, tive até umas complicações pra dormir. Fiz uma luta muito dura contra o Reza, um atleta muito experiente, catimbeiro. Ele me quedou no início do primeiro round e ficou amarrando do meio até o fim. Voltei para o córner decidido: vou ter que deixar tudo aqui nessa luta porque já vi que esse cara quer amarrar. Foi uma guerra até o fim do terceiro round. E ficou na mão dos árbitros, na casa do adversário. Não tinha certeza de qual seria o resultado, mas ganhei por decisão dividida. Foi um alívio muito grande e aí fui entender sobre a entrega, sobre entrar no Octógono e deixar tudo, não importa o que aconteça. Estava buscando o nocaute, a finalização, o que fosse para acabar com a luta. E, durante a entrega, a gente acaba pontuando. Mesmo quando não acaba com a luta, se você busca isso a todo momento está somando pontos. Tive essa lição: quando se entra de corpo e alma para fazer qualquer coisa, a vitória é sua. Nada vai te parar.”

CHARLOTTE, NC - JANUARY 27:   (R-L) Vinc Pichel celebrates his victory over Joaquim Silva of Brazil in their lightweight bout during a UFC Fight Night event at Spectrum Center on January 27, 2018 in Charlotte, North Carolina. (Photo by Josh Hedges/Zuffa L

CHARLOTTE, NC - JANUARY 27: (R-L) Vinc Pichel celebrates his victory over Joaquim Silva of Brazil in their lightweight bout during a UFC Fight Night event at Spectrum Center on January 27, 2018 in Charlotte, North Carolina. (Photo by Josh Hedges/Zuffa LLC/Zuffa LLC via Getty Images)


Luta 4: Vinc Pichel, no UFC Charlotte, em janeiro de 2018

O ensinamento: “A derrota nos torna mais completos.”

“No fim de 2017, peguei acho que com um mês de antecedência uma luta que seria no início do ano seguinte, na Carolina do Norte. Tive inúmeras complicações. Meu visto tinha vencido e tive que tirar outro em cima da hora. Estava em Curitiba [é da equipe Evolução Thai] e todos os meus documentos para o visto estavam em Goiás, porque sou natural de lá. Os Correios estavam em greve, demorou para chegar tudo para mim. Foi muito engraçado porque aconteceu uma sucessão de coisas, uma bola de neve, tudo conspirando para eu não lutar. Treinei num curto espaço de tempo, fim de ano, pouca gente na academia, um fluxo bem pequeno de atletas. Mas fui superbem pra luta, bem confiante. Lá, comecei a luta e fui seguindo a estratégia que, na minha cabeça, estava correta. Eu estava acertando os golpes, fazendo tudo da melhor forma. No primeiro round, acertei um golpe muito duro, ele ficou mal em pé. Na minha cabeça eu tinha ganhado o round. O segundo foi bastante movimentado, não tinha feito a contagem pra mim. Então eu entrei no terceiro para decidir. Acertei muitos golpes nele, golpes duros. A luta acabou. Mais uma para decisão. Estava crente que eu tinha ganhado porque quando tocou a buzina do fim da luta, olhei pra cara dele e ele estava todo sagrando. Mas os juízes deram decisão unânime para ele. Nem ele acreditou na hora, ele olhou para os treinadores, olhou pra baixo e começou a comemorar. Eu sem entender nada. O chão caiu pra mim. Foi minha primeira derrota profissional. Senti muito, muito, muito mesmo. Fui para o vestiário sem a ficha cair ainda. Eu estava até então invicto, com 10 lutas e 10 vitórias. Tive meu luto, fiquei quase um mês sem sair do apartamento direito em Curitiba. Pensava que tinha dedicado minha vida para o esporte, não fazia mais nada além disso desde que saí de Goiás. Mesmo lá em Goiás, quando me dispus de criança a treinar e lutar, só tinha feito isso da minha vida. Perder foi uma coisa bem forte. Esperava ganhar o cinturão invito. E ver esse sonho sendo desconstruído daquela forma foi muito duro. Mas, ao mesmo tempo, tive a consciência de que nesse esporte é muito difícil não amargar uma derrota. E que uma derrota o torna completo. Você vê seus erros, suas falhas, tem que se reinventar. Começa a se enxergar de outra maneira, tem noção de coisas que não via.”

Luta 5: Jared Gordon, UFC Milwalkee, em dezembro de 2018

O ensinamento: “Tem coisas que o dinheiro não compra, como a sensação de dever cumprido.”

“Eu tinha visto o Jared Gordon lutando contra o Hacran Dias em São Paulo [no UFC São Paulo em 2017] e até comentei com um amigo que o cara era duro, elogiei bastante o jogo dele. Aí quando casou minha luta com ele fui ver um vídeo de um combate dele porque não lembrava quem era e achei engraçado. Falei: ‘Cara, nem f* – desculpa a palavra – esse cara ganha de mim. Ele é bom, mas a gente é ruim, né?’ Meus amigos que estavam comigo na academia deram risada. Sabia que ele era bastante aguerrido, tem condicionamento físico bom, velocidade nos golpes, um jogo completo de grappling com trocação. E sabia que seria uma guerra. Mas tinha um tempo muito bom para me preparar. Meu empresário me ligou para contar no fim de agosto, e a luta era em dezembro. Fiquei bem feliz porque gosto de me preparar bastante. Quanto mais tempo de camp melhor para chegar voando. De setembro até eu viajar pra minha luta só fiz uma coisa da minha vida: treinei. Treinei, treinei, treinei. Como estava vindo de derrota, tinha, além do treinamento, uma briga mental e minha fé. Passei por todas essas lutas, todas essas coisas que eu disse, mas tenho certeza de que estou nesse caminho porque Deus me botou nele. Orei muito em Goiás, pedi muito discernimento para eu ir pelo caminho certo e não ser uma pessoa frustrada. Para eu não fazer uma coisa em que não obteria sucesso. E Deus me encaminhou, abriu portas, as coisas foram acontecendo depois que fiz essa entrega. Então foi muito treinamento, fé em Deus e a certeza de que quem fosse mais bravo naquela luta ganharia. E a gente lutou três rounds bravamente. Ele teve grandes momentos, eu tive grandes momentos. Antes do terceiro round, meu treinador, o Serginho [Moraes], falou: ‘Você perdeu seus dois rounds, tem que acabar com essa luta’. E entrei no round parecendo que estava entrando para a luta naquele momento. Me enchi de força e de energia e comecei a trocar porrada. Chamei ele para a trocação e sabia que ele bravo e ia aceitar. Aí comecei a acertar golpes e vi no olho dele que ele não queria mais estar ali. Fiquei então pensando em como eu ia colocar meus golpes para acabar a luta. Foi uma das lutas da minha carreira que eu mais curti. Tentei uma vez uma combinação de golpes e não pegou. Tentei uma segunda vez, entraram um, dois golpes. Mas na terceira vez meu cruzado de direita entrou e vi que ele sentiu. Ele ficou mal, bateu na grade. Coloquei uma sequência de cruzados e ele foi nocauteado. Naquele momento ali não foi bônus [ele levou o bônus Luta da Noite], não foi toda a grana da minha bolsa, não estava me importando com nada. Estava me importando com minha sensação de dever cumprido. Eu voltava para o radar do UFC, me colocava de novo para ser visto. Uma das melhores coisas é você trabalhar e colher os frutos do seu trabalho. Aquele momento foi único, uma das lutas em que eu mais me senti realizado como atleta. Tive essa lição: tem muitas coisas que o dinheiro proporciona para a gente, lugares que a gente pode visitar, mas a sensação de dever cumprido, de colher fruto de um trabalho para o qual você ficou meses se dedicando, é uma coisa única.”