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Entrevistas

“Com força de vontade, um favelado pode chegar ao topo”

O peso-pesado Raphael Pessoa “Bebezão”, invicto com nove lutas, faz seu primeiro combate pelo UFC neste sábado

Há pouco mais de três anos, Raphael Pessoa resolveu treinar MMA. Este sábado, aos 30, estreia no UFC. Dizendo assim, parece que tudo foi muito fácil na vida desse carioca. Mas só parece.

Nascido e criado na comunidade Santa Maria, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro, Bebezão, como é chamado, trabalhava como segurança e se lembra de um Natal em que mal tinha dinheiro para cear com a família – presentes, então, estavam absolutamente fora de cogitação.

Raphael foi criado pelos avós. O pai era militar. A mãe “trabalhava em tudo o que vinha pela frente”, relembra ele. “Não tive então todo o suporte possível, mas tive o suporte da minha avó e do meu avô”, conta ele, de Montevidéu, no Uruguai, que sedia o UFC neste sábado. “E fazia tudo o que um favelado faz: jogava bola, brincava, fazia bagunça”, diz, sobre a infância.

A vida na favela, ele conta, o transformou em um brigão. “Eu era muito rebelde na adolescência. Dentro da comunidade a gente tem que se impor às vezes. Eu brigava com qualquer um, saía na mão com qualquer um.” Até que certa vez, em uma festa, ele tomou uma coça. “Com pena de mim e com medo de eu morrer, meu primo, que era faixa roxa e instrutor de jiu-jítsu, me chamou para eu treinar.”

Foi assim que, aos 17 anos, Raphael começou a praticar o esporte com Henrique Larrubia. “Eu era muito rebelde, ninguém na minha família acreditava em mim, que eu daria certo na luta. A não ser uma tia, que foi a única que me apoiou, porque ela viu que eu estava mudando. Uma outra tia disse que era pra eu tomar vergonha na cara porque não ia chegar a lugar nenhum.”

Já casado com Aimée e pai de Ana Beatriz, que hoje tem 8 anos, Bebezão trabalhava como segurança no Rosa Shopping, um centro gastronômico na Barra da Tijuca, no Rio, quando resolveu dedicar-se ao MMA. “No jiu-jítsu eu tinha muitos heróis, mas ainda é um esporte muito caro no Brasil e eu não conseguia muito patrocínio. Quando migrei para o MMA, em 2016, as pessoas começaram a investir um pouco mais em mim.”

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Raphael fez uma luta amadora e sua primeira profissional no mesmo ano. “Vi que era isso que eu queria da minha vida.” No ano seguinte, fez sete combates. Venceu todos. O último de seu cartel aconteceu em setembro de 2018. Até hoje, foram nove lutas e nove vitórias – delas, seis por nocaute.

“Sempre busquei dar o meu melhor no jiu-jítsu e no MMA. Sou grandão, canela fina, braço fino e meio gordinho e desengonçado. As pessoas me olham e me menosprezam. Mas eu sempre soube que era lutar o que eu queria fazer.”

Há um ano, nasceu Noemi, sua segunda filha. A responsabilidade aumentou. “Desde quando comecei no MMA, chegar no UFC era meu objetivo. Eu não ia desistir enquanto não chegasse.” O atleta da Evolução Thai, de Curitiba, recebeu a notícia de que estava na organização em junho último. “Tenho hoje todo um suporte, uma equipe, um apoio, um aparato. Mudei para Curitiba, minha vida está mudando, vou até mesmo conseguir cuidar da minha mãe”, ele comemora.

A estreia acontece na véspera do Dia dos Pais, o que é uma motivação a mais para Bebezão. “Eu não quero nem presente das minhas filhas. Eu quero é dar esse presente pra elas duas. Mostrar pra elas que esse Dia dos Pais vai ser o dia mais especial da minha vida. Quero poder comprar um brinquedo, levar elas pra sair sem ficar pensando: pô, como vou pagar isso?”

O peso-pesado, que enfrenta em sua estreia o francês Ciryl Gané, conta que a família é a razão de ele lutar hoje. “Luto também pra mostrar que um favelado de uma comunidade que não teve suporte, não teve apoio, pode chegar no topo se ele acreditar nos seus sonhos”, afirma. “Estou chegando no maior evento do mundo e quero ficar, vou dar o meu melhor.”

Para o atleta, toda luta é uma estreia. Uma estreia de verdade então... “Sempre sonhei em estar no UFC. A proporção é outra, mas em todos os eventos dos quais participei eu já visava o UFC. Se a cada luta eu queria melhorar mais, entrar melhor, não vai ser diferente no próprio UFC. Vou entrar determinado, querendo ganhar, mesmo porque tem duas boquinhas, dois pintinhos lá em casa gritando por comida.”

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