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Em 2003, aos 22 anos, o lutador de jiu-jítsu paulistano Fernando Belatto achava que estava num beco sem saída. Prestes a pegar sua faixa-preta com Ryan Gracie e com o currículo cheio de conquistas, Fernando passou a se perguntar o que viria pela frente.
“Comecei a questionar meu real propósito”, ele conta. “Jiu-jítsu era minha paixão, a coisa que eu mais gostava no mundo, mas eu estava pressionado pela vida. Precisava ganhar dinheiro, as contas chegavam. Naquela época, a maior parte dos campeonatos não oferecia premiação, apenas medalha.” Fernando gastava muito mais para treinar e viver do que ganhava.
Será que ser professor, preparar atleta para ser competidor, era o que ele deveria fazer? Aquilo o completava? “Achei que não era o meu caminho. Até então tinha me dedicado só a isso na minha vida. Quando percebi que a resposta para meus questionamentos não era continuar naquilo, me bateu um vazio. Me senti muito perdido. Veio uma tristeza, uma grande crise existencial, uma falta de perspectiva, fiquei sem chão. E aí, o que eu faria?”
Isso tudo teve como reflexo uma síndrome do pânico. Fernando foi a um psiquiatra e saiu de lá com a prescrição de um ansiolítico, porque estava passando as noites em claro, suando frio. Só que ficar tomando remédio não era o que ele queria também. “Tinha a sensação de que ninguém, nem eu, me entendia. Era como se tivesse um chamado interno para eu me realizar, mas eu não sabia o que era.”
Ele começou então sua procura. Um primo o levou para conhecer Prem Baba, líder espiritual que o iniciou numa jornada ao autoconhecimento que mesclava meditação, para desenvolver atenção plena e presença, e métodos para o reconhecimento de suas próprias vulnerabilidades, seus pontos fracos, seus traumas. “Comecei a olhar para dentro de mim e fui me reconectando com meu centro”, afirma.
Satisfeito com aquela iniciação, o atleta resolveu aprofundar-se indo para a Índia. Na terceira vez que voltou de lá, em 2010, viu seu chão sumir pela segunda vez. Publicitário de formação, ele tinha criado uma agência com os amigos, que resolveram que não queriam mais manter o negócio. Ao mesmo tempo, terminou um namoro e roubaram seu carro. “Foi uma segunda puxada de tapete, uma loucura. Mas eu estava diferente. Estava mais centrado.”
Sem deixar aquilo tudo o abalar muito, Fernando, que havia voltado a praticar jiu-jítsu para pegar sua faixa-preta, resolveu ir morar na chácara dos pais, em Janiru, no interior de São Paulo, para criar hortaliças orgânicas. O negócio não deu certo também. “Entrei de novo naquilo de não saber o que fazer da vida. E fui então meditar, meditar, meditar”, relembra.
Em 2010, ele teve uma espécie de epifania. “Estava em uma meditação e a sensação que tive é exatamente essa: parece que tiraram uma tampa de mim. E eu finalmente entendi tudo. Não quero deixar o negócio místico demais, mas senti uma voz dentro de mim dizendo que meu caminho era mesmo a arte marcial, porque era aquilo que eu amava. Que o que não fazia mais sentido para mim era a competição.”
Fernando saiu daquela meditação sabendo que seu caminho era ajudar a desenvolver o melhor das pessoas através da arte marcial. “Todas as minhas células vibraram. Finalmente eu tinha encontrado o que vim fazer aqui. Ninguém precisa acreditar em mim, mas eu sei – foi o que pensei.”
O lutador sabia o que tinha que fazer, mas não tinha a menor ideia de como começar a fazer aquilo. “Resolvi seguir meu coração. Quando a gente segue esse caminho do coração, as coisas vão acontecendo.” Ele resolveu então procurar Orlando Cani, famoso professor de bioginástica e de ioga do Rio de Janeiro, que tem como pupilos gente como Rickson Gracie. “Estava procurando alguém que trabalhasse com o físico, mas também com a espiritualidade. Só que eu sabia que não era ioga que eu buscava. Era algo novo – e com arte marcial.”
Orlando deu um conselho para Fernando. Disse que, quando ele próprio estava criando a bioginástica, seu método consistia em ficar trancado num quarto, com velas e incensos acesos. “Assim que cheguei em São Paulo fiz o que ele me sugeriu. Liguei uma música na sala e comecei a me movimentar. Vieram movimentos da arte marcial que eu nunca tinha visto, como a postura da espada. Fiquei inspirado”, diz o lutador. Fernando pediu para a mãe e alguns amigos serem suas cobaias nesse método novo que ele criava. Os resultados o impressionaram. “Eles me diziam que estavam tocados. Alguns se emocionavam com os movimentos. Vi então que tinha algo lá, que era verdadeiro.”
Depois de estudar muito sobre os samurais e sobre artes marciais ancestrais e de ler muita literatura da Índia, Fernando compreendeu que o espírito guerreiro existe em várias culturas, em diversas filosofias. “Tudo tem a ver com o caminho do guerreiro, inclusive as artes marciais”, diz ele. “Como o ocidental busca muito resultado, a gente acaba desconectando disso. Não vejo nada de errado com conquistas, medalhas e troféus, mas se a gente ficar distraído com isso se perde da gente mesmo. Por outro lado, se nos equilibrarmos com nosso interior e nosso propósito, conseguimos utilizar de nossas conquistas para um grande bem conosco mesmo e com os outros. Nosso ego deixa de ser importante e passamos a usar nossas habilidades para ajudar a melhorar ao mundo.”
Fernando batizou seu método de O-DGI, ou O Despertar do Guerreiro Interno. Há dois cursos, O-DGI Do e O-DGI jiu-jítsu, ambos baseados em sete virtudes que ele considera essenciais: ancestralidade (para respeitar a história e a tradição), integridade, coragem, honra, fluidez, intuição e espiritualidade. O O-DGI Do mescla posturas de empoderamento (as posturas que expandem nosso corpo, as que alinham e as que relaxam) com movimentos energéticos. “São movimentos que são base das artes marciais chinesas, do taoísmo, para conseguirmos equilibrar as energias em nós e encontrarmos o equilíbrio e nosso melhor potencial”, explica. Já o O-DGI jiu-jítsu é um treino de jiu-jítsu comum, acrescido de técnicas para controle emocional. “Minha vida é a arte marcial. O que eu fiz foi mudar o significado dela, ressignificá-la um pouco.”
O objetivo é ajudar o aluno a aprender a lidar com as emoções, com sua batalha interna. “É visitar o passado, curar possíveis traumas, nos perdoar e até agradecer nossas ignorâncias, para poder viver a presença de verdade. O objetivo da arte marcial é esse: desenvolver autoconhecimento e deixar a pessoa preparada para a vida”, diz Fernando. O sensei conta que recebe em seus treinos pessoas de qualquer academia, competitivas ou não. Ele também está sendo contratado por várias grandes empresas, como a Natura, para dar treinamentos para os líderes.
Com sede na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, a academia de Fernando está aberta para quem quiser fazer uma aula-teste. Agora conta também com ioga pela manhã. “Quero oferecer várias outras artes marciais para o O-DGI virar um guarda-chuva do desenvolvimento humano por meio do físico.”