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Dedada no olho, como a que Jeremy Stephens afirma ter sofrido, pode causar cegueira

Oftalmologista do Hospital das Clínicas diz que a lesão que terminou com a luta principal do UFC México não é frescura. A córnea é a parte mais sensível do corpo humano.

Atire o primeiro cisco quem nunca se desesperou com um grão de areia no olho. Pois um contratempo ocular foi o responsável pelo balde de água fria do no contest que encerrou o combate principal do UFC México, sábado passado.

O americano Jeremy Stephens acusou o mexicano Yair Rodriguez de ter enfiado o dedo em seu olho, o que o teria impedido de continuar a luta mesmo após os 5 minutos de recuperação permitido pela regra. “Mentira!”, “Frescura!”, muita gente começou a criticar.

Mas dedo no olho é coisa séria. E pode ter complicações graves. “O trauma ocular é uma das importantes causas de cegueira entre pacientes jovens”, afirma Sonia Lee, médica oftalmologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Ela conta que o aparentemente inofensivo golpe pode potencialmente causar um dano considerável no olho. “Imagine que o olho é um pequeno e frágil sistema de lentes perfeitas, banhado por diferentes fluidos completamente límpidos e corretamente separados, com tudo em seu devido e milimétrico lugar para garantir a visão nítida”, afirma a médica.

“Agora imagine um dedo grosseiramente atingindo esse sistema delicado e perfeito. Claro que pode ser inofensivo e rotineiro, como um dedo de um bebê sem querer atingindo o olho da mãe, até algo bem brutal, quando feito intencionalmente com o propósito de ferir.”

O problema é que, quando entra no olho, o dedo atinge o globo sem proteção alguma. “Normalmente, um soco ou um objeto maior esbarra antes na órbita, o arcabouço ósseo onde fica o globo ocular, e amortece o impacto.” Na dedada isso não ocorre. “Há risco de lesão em praticamente todas as estruturas do globo ocular de fora para dentro: córnea, sangramentos internos, deslocamento do cristalino e descolamento da retina”, explica a especialista.

Para a médica, por causa da dor imediata que Stephens acusou na luta, sua lesão – ou “desepitelização”, na linguagem médica – tem características de ter sido na córnea. “Justamente por ser a parte do olho que está em contato com o ambiente externo, a córnea tem uma invervação para dor extremamente aguçada, é nossa parte do corpo mais sensível para dor. Isso tem uma razão: proteger nossos preciosos e delicados olhos”, afirma ela.

Um mísero cisco microscópico pode ser percebido por esse sistema de inervação. “E isso desencadeia um reflexo de lacrimejamento e vontade de fechar os olhos, um mecanismo natural para protegê-los. Isso porque até um cisco pode representar um perigo, pois pode levar a um machucado e uma infecção, uma úlcera de córnea, comprometendo a visão. Nosso corpo avisa prontamente que há algo errado.”

O fato de Jeremy Stephens provavelmente ter tido um machucado na córnea não o impede de ter tido também lesões mais profundas. “Se o quadro for apenas de lesão na córnea, a recuperação normalmente é tranquila, podendo-se até ocluir o olho para mais conforto. Uso de colírio ou gel lubrificante pode aliviar os sintomas também”, diz a médica.

Quadros de comprometimento mais profundo entanto, podem até requerer com possíveis sequelas para a visão e até cegueira. “Tudo depende da intensidade desse ‘golpe’.”

Se você desconfia que algo possa ter machucado seu olho, a primeira providência é tampar o olho, se isso aliviar o incômodo, e procurar o médico. “Não use nenhuma medicação ou colírio”, avisa Sonia Lee. “É importante ressaltar que algumas lesões e consequências do trauma podem surgir até alguns dias ou meses depois do trauma. É o caso da uveíte traumática e do descolamento de retina por exemplo.”

No mundo ideal, diz a médica, todo mundo que vai praticar um esporte de contato físico deveria antes consultar um oftalmo para saber se tem uma predisposição ou um risco maior para certos tipos de doença como o descolamento de retina. “Nesse caso, os cuidados deveriam ser redobrados”, diz a especialista. “Um acompanhamento de rotina e um exame a cada trauma na região ocular é o recomendado.”