Pular para o conteúdo principal
Blog do Marcelo Alonso

Duas lutas que valem muito mais que cinturões no último UFC do ano

Veja uma análise do jornalista Marcelo Alonso sobre o UFC 232, o evento que encerra 2018

Disputar um cinturão do UFC é, na teoria, o ponto mais alto que um lutador pode atingir em sua carreira no MMA. Na prática, porém, o título pode ser um detalhe se a vitória for conquistada em cima do maior nome da história do esporte. Esta é a missão tanto de Amanda Nunes quanto de Alexander Gustafsson nas duas lutas principais do UFC 232, no próximo sábado. Amanda terá pela frente a lutadora mais dominante da história do esporte, a campeã dos penas Cris Cyborg. Já Gustafsson lutará pelo cinturão vago dos meio pesados contra “o maior de todos os tempos”, Jon Jones, a quem chegou perto de vencer num confronto há cinco anos.

O XADREZ DA ENVERGADURA

Jon Jones não é considerado o maior lutador de todos os tempos por acaso. Em apenas dez anos de carreira, enfrentou e venceu, de maneira clara, os mais duros campeões meio-pesados de duas gerações. Com um jogo completo, mesclando wrestling, boxe, jiu-jitsu e kickboxing, Jones fez Vitor Belfort, Mauricio Shogun, Rashad Evans, Quinton Jackson e Daniel Cormier pareceram lutadores medianos.

Em sua brilhante trajetória, apenas um lutador fez “Bones” se sentir bem próximo da derrota: Alexander Gustafsson. Naqueles cinco rounds do UFC 165, em 2013, o sueco fez o que nenhum outro lutador havia conseguido. Derrubou, o fez sangrar e venceu dois dos três primeiros rounds. Até que uma cotovelada giratória mudou os rumos da luta no fim do 4º round, possibilitando que o cinturão continuasse com o americano. Após o maior susto de sua carreira, Jones declarou à imprensa que havia subestimado o sueco, tendo passado boa parte do camp em boates bebendo. Ou seja estaria longe de sua melhor forma.

Cinco anos se passaram e, após um longo período suspenso por doping, Jones está de volta mais faminto e treinado mais do que nunca, tendo a oportunidade de provar para os fãs e para ele mesmo que a luta mais difícil de sua vida não ocorreu por mérito do oponente.

O fato é que Gustafsson, com seus 2,03 metros de envergadura, foi o primeiro adversário a neutralizar a vantagem de Jones na longa distância (2,15m de envergadura), de onde sempre atingiu sem ser atingido. Superior no boxe, o sueco chegou ao quarto round tendo conectado mais golpes. A virada ocorre quando Jones decide ir para o tudo ou nada, buscando a luta na curta distância e conecta aquela indefensável cotovelada que mudou os rumos da luta e lhe garantiu o 3 x 2. Ciente do excelente boxe do sueco e de que provavelmente não terá o controle absoluto da luta na longa distância, Jones garante que nunca treinou tanto boxe e que as cotoveladas estão afiadíssimas, bem como seu preparo físico.  

De seu lado, Gustafsson nunca esteve tão motivado e treinado. Após perder duas disputas de cinturão (Jones e Cormier), o sueco sabe que fará a luta de sua vida sábado. Tanto que chegou a dizer que “vencer o Jones é mais importante que o cinturão”. Ninguém duvida que em caso de vitória Alexander carimbaria seu nome na história do esporte por vencer o maior lutador de todos os tempos e, de quebra, entraria no hall dos campeões de uma das categoria mais disputada na história do UFC, a dos os meio-pesados.  

A única certeza que tenho para esta última luta do calendário do UFC em 2018 é que ela será bem diferente da primeira, com ambos trazendo novas ferramentas e buscando surpreender no xadrez da envergadura. Minha aposta é que Jones buscará mais a luta da média para a curta e desta vez conseguirá o nocaute antes do 5º round.

PELO TÍTULO DE RAINHA DO OCTÓGONO

No evento co-principal, Amanda Nunes terá uma tarefa bem parecida com a de Gustafsson. Depois de conquistar o cinturão dos galos e defender em três oportunidades, a baiana decidiu tentar escrever seu nome em definitivo na história do esporte ao subir de categoria para lutar pelo cinturão dos penas contra a maior lutadora de MMA de todos os tempos, Cris Cyborg.

Com 20 vitórias, sendo 17 por nocaute, Cris Cyborg atingiu um nível de domínio no MMA feminino que não tem paralelo nas categorias masculinas. São 13 anos sem derrota e vencendo a grande maioria das lutas no 1º round. Nem Fedor (9 anos), nem Jon Jones (10 anos) conseguiram algo semelhante, até porque o nível de competitividade ainda é bem maior no masculino. Holly Holm, no UFC 219, foi a única oponente que proporcionou uma luta dura para Cyborg, obrigando a brasileira a lutar cinco rounds. Mas em nenhum momento chegou perto de ameaçá-la.

Amanda Nunes conquistou o direito de enfrentar Cris Cyborg com todo mérito. Vindo de uma sequência de sete vitórias consecutivas, a baiana tem mostrado melhora em todas as áreas. Inclusive no aspecto tático, que pode ser seu grande diferencial contra a campeã. Afinal de contas, além de um ótimo boxe, ela é faixa preta de judô e jiu-jitsu. Caso consiga induzir a curitibana a repetir o erro de sua última luta contra a russa Kunitskaya, quando foi derrubada e deu as costas para a oponente no início do 1º round, Amanda pode surpreender.        

Além das quedas, Amanda tem poder de nocaute superior a qualquer oponente que Cyborg já tenha enfrentado, o que obviamente aumenta o grau de imprevisibilidade da luta. Mas por tudo que fez em sua carreira e pela maneira dominante como vence todas as suas lutas, a campeã entra com amplo favoritismo em mais esta defesa de cinturão. Acredito que fará uma luta bem parecida com a de Holly Holm, usando seu melhor boxe para pontuar e a força física para frustrar as quedas da desafiante, vencendo na decisão. Mesmo em caso de derrota, pelo peso de sua história, certamente Cyborg receberia a revanche imediata.

RESPEITO ÀS LENDAS

O UFC costuma ser criticado por muitas vezes demitir atletas após três derrotas consecutivas, mas há de se reconhecer o respeito do evento com seus campeões, que se mantém empregados mesmo quando estão com sete derrotas em nove lutas. Este é o caso das três lendas que fazem parte do card deste UFC 232: Andrei Arlovski (ex-campeão dos pesados em 2005), BJ Penn (ex-campeão dos meio-médios em 2004 e dos leves em 2008) e Carlos Condit (campeão interino dos meio-médios 2012).

Considerado um dos maiores nomes da história do UFC, o havaino BJ Penn é um dos cinco lutadores que conseguiu conquistar o cinturão em duas divisões. Primeiro campeão mundial de jiu-jitsu americano, o havaiano estreou no MMA, já no UFC, logo após a conquista e fez uma carreira brilhante no evento entre 2001 e 2010. Nos últimos oito anos, porém, a sua “longa quilometragem” começou a fazer efeito e BJ chegou a se aposentar em 2014. Mas não conseguiu abandonar sua paixão por muito tempo. Em 2017, disse a Dana White que gostaria de voltar e foi apoiado pelo patrão. Como não conseguiu ser competitivo na reestréia contra o ranqueado Yair Rodrigues, que o nocauteou no 2º round, Dana buscou um oponente não ranqueado. Contra Denis Siver, BJ voltou a ser dominado, mas lutou de maneira competitiva até o fim da luta.

Depois deste combate, decidiu vir ao Brasil resgatar suas origens na Nova União. Neste sábado enfrenta mais um oponente que não lhe representa muito risco. Campeão do TUF 22, Ryan Hall é um especialista no jiu-jitsu, principalmente em chaves de calcanhar. Um casamento de estilos que tem tudo para ser, digamos, pouco emocionante, mas que pode levar o havaiano a reencontrar a vitória, agora aos 40 anos.

Faltando quatro meses de completar 40 anos, Arlovski é outro ex-campeão que abrilhanta o card deste evento. Ao contrário de BJ, que chegou a se afastar do esporte, Arlovski se manteve competitivo. Entre 2013 e 2015 o bielorusso chegou a emplacar seis vitórias consecutivas. Inclusive, se vencesse Stipe Miocic, lutaria pelo cinturão com Fabricio Werdum, mas acabou nocauteado. Nos dois anos subsequentes entrou na pior fase da sua carreira com cinco derrotas consecutivas, mas se recuperou e, após vencer Junior Albini e Stefan Struve, voltou ao ranking e passou a ser uma espécie de porteiro da divisão.

No sábado Arlovski fará sua 3º luta em sete meses, tendo pela frente um desafio bem mais complexo que BJ Penn: o americano Walt Harris, com 11 vitórias, todas por nocaute.

O outro ex-campeão deste card, Carlos Condit não é tão veterano quanto BJ e Arlovski, cronologicamente falando. Condit tem apenas 34 anos, mas seu corpo tem as marcas de 42 batalhas. E que batalhas! Me arrisco a dizer que se houvesse um ranking dos lutadores que travaram as guerras mais duras e sangrentas da história do UFC, Condit certamente seria um top 5, se não for o campeão. O fato é que o resultado destas batalhas tem se refletido numa enorme queda de rendimento. Nos últimos dois anos, Condit perdeu quatro lutas. No próximo sábado, o ex-campeão vai recepcionar Michael Chiesa na categoria dos meio-médios. Uma luta com excelente potencial técnico, onde fica claro que os matchmakers entenderam que ex-campeões podem e devem ser aproveitados de maneira inteligente para entreter os fãs, sem necessariamente ter que lutar por cinturões contra a elite da divisão.

CHAD MENDES X ALEX VOLKANOVSKI

E não são só os medalhões que fazem deste UFC 232 um evento especial. Este card contará com lutas interessantíssimas do início ao fim. Destaco no card preliminar três lutas com enorme potencial de nocaute: o veterando Uriah Hall contra o estreante Bevon Lewis, parceiro de treinos de Jon Jones; o confronto entre os strikers Siyar Bahadurzada e Curtis Milender; e a guerra entre Dougla D´Silva, hoje 14º do ranking dos galos, e o duríssimo Petr Yan, ex-campeão do ACB, que vem de duas vitórias impressionantes no UFC.

Mas sem dúvida um dos confrontos mais interessantes desta noite é o que abre o card principal, entre os excelentes Chad Mendes (#5) e o australiano Alexander Volkanovski (#10). Com cinco vitórias seguidas no UFC, Volkanovski tem características físicas e um jogo muito parecido com o representante da Team Alpha Male. Ambos são pequenos e explosivos, têm uma excelente base no wrestling, poder de nocaute e um ground and pound perigosíssimo.

Depois de quase dois anos suspenso por doping, Mendes voltou mais perigoso que nunca nocauteando o duríssimo Myles Jury no 1º round e mostrando que ainda merece uma vaga entre os top 5 da divisão. Já Volkanovski, desde que entrou no UFC, em 2016, venceu de maneira totalmente dominante todos os oponentes em ordem crescente de dificuldade. Mas nunca enfrentou, em suas 19 lutas, nenhum oponente no nível de Mendes, o que nos traz uma série de questionamentos que fazem deste confronto um dos mais interessantes da noite: será que conseguirá impor seu perigoso jogo de quedas a partir da grade contra um all american como Mendes? E se ambos tiverem dificuldade de aplicar quedas e o confronto acabar transcorrendo em pé, como costuma ocorrer com grandes grapplers, será que as fintas do americano vão fazer a diferença e ele conseguirá conectar seus ganchos e cruzados, que surpreenderam até Aldo e McGregor?  Ou será que Volkanovski repetirá Aldo conseguindo conectar um golpe certeiro a partir do clinch na grade? A única certeza é que o vencedor desta luta entra imediatamente na linha de disputa do cinturão que deverá ficar vago após a subida do campeão Holloway para os leves.

Definitivamente, não vão faltar lutas incríveis neste UFC de sábado. Ansioso para chegar logo a hora do evento. Espero vocês no canal Combate. Estarei com meu parceiro Luiz Prota comentando o card preliminar a partir da 20h45. Minotauro, Luciano e Rhoodes assumem o comando nas cinco lutas do card principal. Até lá!