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Depois de protagonizar uma das grandes lutas do ano contra Donald Cerrone no UFC 238, Tony Ferguson impressionou os jornalistas ao dizer que não havia feito sparrings. A declaração, que já havia sido dada por seu oponente, Cerrone e também pelo ex-campeão dos meio-médios Robbie Lawler deu origem a um debate totalmente pertinente ao momento atual do esporte. Será que os treinos de sparring são mesmo essenciais para um lutador de MMA ?
Coincidentemente na semana anterior ao UFC 238 havia sido confirmado o segundo caso de Encefalopatia Traumática Crônica no MMA, após autopsia no cérebro do ex-lutador Tim Hague, que morreu em 2017 logo após uma luta de Boxe no Canadá. Em 2016, o lutador Jordan Parson já havia sido diagnosticado com a mesma doença, após falecer em decorrência de um atropelamento e ter seu cérebro estudado.
Henry Cejudo teria chances de conquistar o "4 ouro"?
Se na era Pride (Entre 1997 e 2007) era comum que algumas equipes chegassem a fazer sparring de MMA todos os dias, hoje, a ciência empurra o esporte no caminho oposto. Mas, afinal de contas, assim como em qualquer esporte, não é importante uma simulação próxima da realidade para a melhor performance do atleta no Octógono? E qual seria o numero ideal de treinos ? Será que um atleta pode ser campeão sem fazer sparrings? Para responder estas perguntas convidei doze treinadores e headcoaches brasileiros de equipes nacionais e estrangeiras:
Rafael Cordeiro (Kings MMA, 2 vezes melhor treinador do mundo)
Eu faço dois sparrings por semana. Um de MMA e outro de Muay Thai, mas todos os dias têm algum tipo de sparring que fazemos na academia. Acho que o treinador tem que tentar fazer os treinos o mais próximo possível da realidade. Respeito muito a opinião de cada treinador. Grandes nomes como Cerrone, Ferguson e Robbie Lawler não fazem sparring e todos são grandes campeões, então não dá pra dizer que estão errados, mas eles tem uma filosofia diferente da minha. Como disse, eu gosto de colocar os meninos para baterem aquela bolinha.
Conan Silveira (American Top Team)
Normalmente os sparrings de MMA na ATT são nas terças e nas quintas, mas a gente tem uma metodologia diferente dependendo do atleta e do oponente. A Amanda Nunes, por exemplo, faz uma quantidade diferente do Junior Cigano. Uma outra questão é que quando chegamos a 5 semanas da luta, nos costumamos alterar a carga. Por mais moderado que seja, o sparring tem que existir, afinal se você não executa no treino, não faz na luta.
Leandro Viera (AKA)
A rotina aqui é fixa com 3 sparrings por semana, com intensidades e objetivos diferentes. Os sparring de segunda geralmente são os mais puxados. Os atletas vêm do descanso do final de semana e geralmente é onde exigimos mais deles. O segundo sparring da semana é na quarta. Este já não tem a mesma intensidade que o de segunda, geralmente é mais técnico. Alguns atletas não fazem este treino, como o Cain, que usa a quarta pra recuperar e fazer somente físico. Mas são raros os casos que não fazem este sparring, mesmo que sendo mais light. O último sparring da semana é o de sexta, este sim é bem mais técnico. Muitas vezes de luvas pequenas, de MMA, pra facilitar o grappling e o wrestling. Mas cada caso é um caso. O Khabib Nurmagomedov, por exemplo, sai na mão em todos os sparrings. O Cormier também treina duro todos os sparrings... Mas a intensidade do de segunda feira é bem diferente de sexta. Eu brinco que as segundas eu trago a pipoca pra assistir ao show. E é na segunda que temos uma ideia de onde estamos com o camp e podemos fazer os ajustes de acordo com a aproximação da luta.
André Dida (Evolução Thai)
A gente faz um sparring forte por semana, toda quarta. Igual ou pior que a luta. Eu só coloco regras para não machucar. Tiro joelhadas e cotoveladas no rosto, e o frontal. Durante a semana a gente trabalha treinos técnicos específicos. E quando chega a 20 dias para a luta, a gente tira o pé do acelerador e fica só trabalhando a habilidade e a tática em treinos específicos. Sim, acho que o lutador pode até ser campeão sem fazer sparring, mas ele tem que ter feito muito sparring no decorrer de sua carreira. Um Jon Jones, por exemplo, deve ser difícil encontrar sparrings na parte em pé. Eu pessoalmente gosto do treino forte, acho importante para o atleta perceber onde evoluiu e o que aguentou, é aquela história do “forjado no aço”.
Eric Albarracin (treinador de Henry Cejudo e Paulo Borrachinha)
Acho que uma vez por semana é mais que suficiente para o sparring, até porque os lutadores são extremamentes competitivos. Se você coloca um sparring na quarta, na segunda e na terça, eles já começam a se poupar nos outros treinos para poder chegar bem no sparing. Isso pode ser prejudicial ao lutador. Se você faz dois sparrings duros de MMA por semana, o lutador passa a semana focado na recuperação para o próximo sparring, o que acaba prejudicando nos treinos técnicos. Além é claro de as possibilidades de lesão serem muito maiores no treino de sparring. Então, uma vez por semana, e sempre ao fim da semana é um bom número. O treinador precisa se preocupar com a recuperação do seu atleta. Tenho usado células tronco para recuperação e também Canabidiol para prevenir os sintomas da Encefalopatia Traumática Crônica (ETC). Imediatamente depois dos sparrings e das lutas eu ministro 1500 mg de canabidiol nos meus atletas. Aqui nos EUA você pode comprar isso em qualquer posto. Aqui o Canabidiol deixou de ser considerado doping pela WADA desde janeiro de 2018.
André Pederneiras (Nova União)
Fazemos sparring duas vezes por semana. Ultimamente cortamos o sparring da semana que antecede o evento. Acho essencial para um atleta que almeje ser campeão, fazer sparrings. É através dele que o lutador entra no timing da luta. Você pode até diminuir o sparring de MMA e fazer mais de Muay Thai ou Boxe, mas não acho que isso preserve o atleta, uma vez que o numero de pancadas na cabeça é muito maior que no MMA, em que o atleta pode agarrar e levar para o solo. Acho que a decisão é muito do treinador, do atleta e do que eles têm acordado. Acho muito positivo que o esporte esteja em constante evolução no sentido de preservar os atletas, mas no meu modo de ver dois sparrings por semana são essenciais e eu vou continuar fazendo assim.
Vander Valverde (Team Nogueira)
Nós fazemos pelo menos duas vezes na semana. A gente faz um light sparring no inicio da semana, com um trabalho técnico dirigido, e sábado fazemos o nosso sparring mais duro. Acho, sim, que o atleta possa ser campeão sem fazer sparring . Mas se for muito experiente, se já tiver feito muitas guerras. No caso de atletas menos experientes, considero essencial esta rotina de dois sparrings por semana, durante os camps para luta. Só com este timing de luta ele vai atingir seu ápice.
Eduardo Alonso (headcoach Demian Maia e Maurício Shogun)
Esta questão do sparring de MMA é muito complexa e subjetiva. Talvez o MMA seja o único esporte onde você não consegue treinar a realidade em nenhum momento. Por isso aqui nós fazemos sparring com luva de boxe, capacete e caneleira, não só para dar uma proteção maior para os atletas, mas porque acreditamos que o treino de luvão coloque o lutador mais na realidade tanto na distância quanto na potencia dos golpes. Apesar de facilitar no quesito grappling, o treino de luvinha, na pratica, acaba levando a uma redução na intensidade porque dificilmente o lutador, principalmente nos pesos mais pesados, vai acertar o parceiro na intensidade real da luta. Então a luta no sparring de luvinha tende a ficar numa distância irreal, por conta desta intensidade mais leve. Também acho muito importante que os sparrings sejam dentro do octógono e com o tempo real da luta. Não acho possível o atleta chegar a ser campeão de um evento como o UFC sem fazer algum tipo de sparring. Tempo de golpe, ensaio da tática, tempo de luta, ritmo de reação e até a preparação psicológica são adquiridos no sparring. Talvez um veterano como o Tony Fergusson consiga até diminuir a carga, mas sem fazer nenhum sparring acho praticamente impossível.
Cristiano Marcello ( CM System)
Eu acho sparring essencial. O Eliseu Capoeira faz em torno de 3 por semana, mas todos controlados a 40% ou 30% da realidade e com proteção. Um de Muay Thai na terça, na quinta um híbrido que pode ser chão com porrada e outro mais completo no sábado. É muito mais uma questão de volume, técnica, tática e tempo, do que força. Caiu totalmente por terra esta teoria de que quanto mais pancada, mais resistente fica o queixo. Na verdade é o contrário. O que ocasiona a ETC não é o contato na luta, mas o sparring na academia. Este negócio de se matar no treino como se fosse uma luta real, além de diminuir a resistência do atleta, ainda gera rivalidades internas, pois são seres humanos que estão ali lidando com brio, ego, honra. Por outro lado, não vejo um atleta entrando preparado pra luta se não estiver condicionado a realidade do que ele vai enfrentar. Seria como no futebol não haver amistoso, ou o tenista ficar só rebatendo as bolas jogadas pela máquina. Tem que ter a adrenalina próxima até para preparar o psicológico.
Fabio Pateta (Alpha Male)
Aqui fazemos sparring de MMA só uma vez por semana (quarta), mas com intensidade moderada (50%). São três rounds de luvão e três rounds de luva de MMA. Nos sábados também fazemos um sparring de boxe nos mesmos 50%. A semana dos profissionais aqui é basicamente assim: segunda, fazemos treinos técnicos de MMA; terça, Wrestling; quarta, sparring de MMA; quinta Wrestling; sexta, técnico de MMA geral (chão e sombra) e sábado, sparring de Boxe (em torno de 6 rounds).
Rudimar Fedrigo (Chute Boxe)
Eu acho que com os equipamentos de proteção que existem hoje o lutador precisa fazer no mínimo dois sparrings por semana. O ideal, a meu ver, seriam três. O treinador pode controlar a intensidade destes sparrings. Não acho que seja possível um lutador de ponta ser campeão sem fazer sparrings.
Jorge Santiago (Hard Knocks 365)
Em um camp de 8 semanas, a gente costuma fazer dois sparrings por semana. Um de Kickboxing com luva grande e caneleira e outro de MMA com luvinha e caneleira. Não acho que seja possível um lutador ser campeão sem sparring. Sou favorável a redução do número de sparrings no sentido de proteger cada vez mais a integridade do atleta, mas por outro lado penso que seja essencial para que o lutador chegue na luta com um timing perfeito.
A ESCOLHA DA EQUIPE PELA FILOSOFIA DE TREINOS
Como vimos acima, o número correto de sparrings depende da metodologia implementada pelos treinadores em cada academia. Apesar de a grande maioria dos treinadores não acreditar que um lutador possa ser campeão sem sparrings, a única conclusão que podemos tirar é que, com a ajuda da ciência, o esporte tende a evoluir cada vez mais sempre no sentido de preservar a integridade física dos grandes protagonistas do show.
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