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Por Martins Denis
Apesar de viver num turbilhão desde a sua estreia no UFC, o nocauteador brasileiro Junior 'Cigano' dos Santos consegue se lembrar de todas as datas e acontecimentos importantes da sua vida. Seja o período em que deixou a sua cidade, Caçador, em Santa Catarina, para ir até a Bahia em 2002 e trabalhar lavando louça, ou então o momento em que teve o seu primeiro contato com arte marcial, a Capoeira, ainda adolescente, ou o início da sua vida no Jiu-jitsu em abril de 2004, no dojo de Yuri Carlton, Cigano lembra de tudo e sorri quando lhe dizem que a precisão da sua memória é do mesmo nível dos seus punhos, polidos pelo grande professor Luiz Dorea.
E mesmo com a velocidade dos seus punhos e sua sabedoria, o lutador, de 26 anos, que atua nos pesos pesados e irá encarar o compatriota Gabriel 'Napão' Gonzaga no evento do UFC on Versus, domingo, 21 de março – acredita que ele ainda está nos primeiros estágios da sua carreira.
"Eu ainda sou recém chegado", ele ri. "Eu ainda sou um bebê no Boxe, com apenas quatro anos de prática. A única coisa que não lembro são as incontáveis vezes que lutei boxe na Bahia, mas isso é só porque eu não contava naquela época. Eu sei que em um futuro próximo esquecerei tudo que disse nessa entrevista, então grave-a (risos)".
Bom, está salvo, e ainda que o tempo acabe apagando os números e as datas, o resultado da luta principal do UFC 110 ficará guardado para sempre na cabeça dele. Essa foi a noite em que o invicto Cain Velasquez derrotou Rodrigo 'Minotauro' Nogueira no primeiro round com uma incrivel combinação. Cigano, obviamente, não esperava aquilo e se surpreendeu com os planos de Velasquez da mesma forma que Minotauro.
No entanto, como gostamos de dizer, toda situação tem dois lados. Quando o lendário e querido Nogueira perdeu para Velasquez, surgiram comentários sobre a luta entre Minotauro e Cigano, e se eles recusariam a lutar e o que aconteceria. Cigano, um pupilo de Minotauro, aproveitou o momento para esclarecer o seu relacionamento com 'Big Nog'.
"Eu não me canso de dizer que os irmão Nogueira (Minotauro e Minotouro) são dois caras a quem devo muito. As pessoas me questionaram sobre a luta contra Rodrigo e eu tentei explicar que ele não era apenas o meu parceiro de treino, ele era o cara que havia me moldado", disse um emocionado Cigano. "Ele é meu mestre e me ensinou tudo. Se eu enfrento e derroto grandes lutadores hoje em dia, é porque o Rodrigo me apoiou. Eu espero que as pessoas entendam que a situação é completamente diferente do que a de dois parceiros de treinos que vivem no Brasil e não têm pretensões de lutar. Provavelmente, eu não teria me tornado um lutador ou a minha carreira estaria em um momento diferente do de hoje se eu não tivesse tido Rodrigo e Rogério me ajudando".
Se Minotauro ajudou Cigano a enfrentar e derrotar lutadores de elite, esse foi um trabalho bem feito. As conquistas do lutador já falam por si só. Depois de vencer atletas como Fabrício Werdum, Stefan Struve, Mirko Cro Cop e Gilbert 'The Hurricane' Yvel, Cigano consolidou seu nome entre os melhores, e todos sabemos que vencer grandes nomes é o caminho mais rápido para o topo, o que, consequentemente, gera motivação ao lutador. Mas esse não é o caso de Cigano, que descobriu uma nova forma de se motivar
"Quando o Werdum disse que lutaria comigo e com o Brock Lesnar na mesma noite, ele estava me subestimando. Ele não me cumprimentou quando estávamos no mesmo hotel e quando eu tentei apertar sua mão na pesagem, ele me evitou. Depois disso pensei que nunca deveria tentar apertar sua mão novamente (risos). Dentro do octógono, segundos antes da luta, ele tentou me pressionar por conta da minha estreia, e naquele momento eu percebi (risos) que quando sou desafiado luto melhor. Quando Bruce Buffer disse meu nome e eu fiz o meu ritual pré-luta, apontando para o chão, Werdum veio na minha direção, socando a sua mão, e disse, 'Vai tomar um pau'. Ninguém viu. Ele fez isso e eu disse, 'Então venha', e voltei para o corner furioso, mas com um sorriso no rosto. E eu senti que quando é dessa forma, luto melhor".
O incentivo que Werdum provocou adicionou um novo ingrediente ao jogo já perigoso de Cigano. Foi apenas uma peça para o novato lutador do UFC, que pensou, 'não me subestime ou eu te pego'.
Então como agir em uma luta contra um oponente que o trata bem e com respeito? Ele teve a resposta imediatamente no UFC 95 em Londres quando encarou Stefan Struve, o especialista em finalizações que o respeitava muito.
"Durante a semana eu o tratei normalmente; nós conversamos e jantamos no mesmo lugar, onde ele me via, tirava fotos", Cigano disse. "Mas na luta eu disse, 'Agora eu não serei bonzinho'. Ele estendeu sua mão, eu não bati nela. (risos) Depois conversamos, agora é hora de trocar socos. Ele é um cara legal, perigoso no chão, e eu não seria seu amigo dentro do octógono (risos). Vamos lutar e nos tornar amigos apenas depois da luta".
Com dois nocautes, Cigano ainda não havia passado do primeiro round, pois derrotou Werdum e Struve aos 1:20 e 0:54, respectivamente. Aparentemente ele estava a caminho de se tornar um dos caras dos pesos pesados. Apenas aparentemente, pois na sua luta seguinte iria encarar o lutador que havia conquistado o PRIDE Open Weight Grand Prix in 2006, Mirko Cro Cop. Mas Cigano prevaleceu, conquistando a vitória.
"Contra o Cro Cop disseram, 'Se o Cigano ficar de pé, ele será nocauteado'. Então vamos testar se eu realmente ficarei inconsciente (risos). Eu acredito muito no meu jogo em pé, no meu Boxe e como meu parceiro de treinos, Fabio Maldonado, me disse uma vez, 'Cigano, quando você olha nos olhos do seu oponente, ele não vai te acertar. Você é rápido e forte, deixe ele saber que você é melhor'. Eu acredito nisso e vou para o nocaute em todas as minhas lutas; talvez eu não consiga fazer sempre, mas é meu objetivo".
A vitória sobre Cro Cop colocou Cigano definitivamente no mapa, certo?
Ainda não.
O lutador holandes Yvel e seu Muay Thai agressivo no UFC 108 poderiam ter sido muito para Cigano, não acostumado a lidar com chutes altos e low kicks. Mas isso não aconteceu, pois ele não deixou Yvel fazer isso ao punir o oponente com uma dose de 'não me subestime ou eu te pego', e nocauteá-lo aos 2:07 do primeiro round.
"Ele é arrogante. Eu ouvi as mesmas coisas que ouvi antes de lutar contra Mirko.
"As pessoas me chamaram de arrogante durante aquela luta porque eu sorri quando ele deu um chute alto. Mas isso aconteceu porque eu treinei para defender exatamente aquele golpe, um direto e um chute alto. Eu gravei essa imagem e ele tentou fazer durante a luta, então eu sorri porque percebi que o seu jogo seria exatamente da forma que eu imaginei".
E agora Júnior Cigano, que encara Gabriel Napão, domingo, no Colorado, ainda tem algo a provar para o mundo. Ele é excelente em pé, mas como ele lutará no chão? Ninguém espera que Napão cometa os mesmos erros de Werdum.
"Eu acho que meu chão é bom, se você quer saber. Eu treino com grandes caras nos EUA e eu estou sempre aprendendo. Essa luta será um teste para mim; eu tenho a chance de surpreender a todos pois acredito que o Napão tentará me derrubar. Desenvolvi algumas posições secretas e se eu tiver oportunidade, vou finalizar".
Muito feliz com a sua carreira no UFC e pronto para todos os testes, Cigano exala a confiança e o tipo de jogo que qualquer fã do esporte curte ver. E enquanto ele respeita Gonzaga como um faixa preta de Jiu-jitsu, ele não lutará com medo de ir pro chão naquela que ele considera a luta mais importante da sua vida.