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Memórias de outros UFCs Rio – parte 1

Anderson Silva retorna em maio, no UFC 237, ao Rio de Janeiro. Aqui, relembro a estreia dele em solo brasileiro pelo UFC, em 2011

A estreia de Anderson Silva no UFC para o público brasileiro, em agosto de 2011, no UFC 134, foi também o meu début num evento da organização. Primeiras vezes podem ser ótimas, péssimas ou tramáticas, mas são sempre inesquecíveis.
 

No meu caso, foi um deleite. Meu envolvimento com o MMA havia começado de forma mais efetiva um ano antes. Em junho de 2010, notei que a cena do esporte no país ganhava muito fôlego. Ele era transmitido em TV aberta e eventos nacionais pipocavam. Eu era editora da revista VIP, então a maior revista masculina de lifestyle do país, e vez ou outra escrevíamos sobre o assunto. Mas sugeri para a edição daquele mês que a gente fizesse uma reportagem grande e especial sobre o esporte que se consolidava por aqui. Meu chefe topou e comecei a conversar com jornalistas especializados e lutadores.

Lembro que, conforme apurava a matéria, ficava cada vez mais espantada com a força e a popularidade que as artes marciais mistas ganhavam por aqui. Mas também me espantou a repercussão, entre os próprios lutadores, de eu estava escrevendo sobre o tema. Assessores de imprensa de atletas de renome mundial souberam que a VIP daria espaço para o MMA e começaram a me ligar, oferecendo entrevistas com seus clientes. Percebi então que, fora os veículos especializados, o esporte era ainda desprezado pelas revistas e jornais ditos “tradicionais” e “mainstream”.

Quis falar com todo mundo que eu pude. Se me lembro bem, foi uma das reportagens em que mais entrevistei gente até hoje – falei com mais de 40 pessoas! Conforme eu conversava com os lutadores, notava que eles queriam ser mais reconhecidos e que ainda sofriam preconceito – muita gente ainda associava o MMA, um esporte regulamentado e com regras, a rinhas humanas. Atletas extremamente talentosos enfrentavam dificuldades para sobreviver do esporte. Em minha reportagem, entraram entrevistas de lutadores como Anderson Silva, Vitor Belfort, Mauricio Shogun, Rodrigo Minotauro, Rogério Minotouro, Demian Maia, Paulo Thiago e Charles do Bronx, entre outros. Bati longos papos com eles e desenvolvemos uma relação de respeito. A partir daí, pude contar com todos e com o staff deles sempre que precisava (até hoje). Meses depois, entrevistei pessoalmente Anderson Silva duas vezes. Em uma das ocasiões, Anderson fez fotos para a VIP, para uma matéria de treinamento pessoal. Na outra, passei uma tarde com ele, acompanhando-o em compromissos profissionais. Lembro bem que ele sugeriu que almoçássemos em um shopping – pensei que sentaríamos num restaurante, mas ele me levou a uma rede de lanchonetes e comeu dois sanduíches com as batatas e um sundae (molhando as batatas no sorvete, eca). O mais impressionante, no entanto, é que ninguém no shopping – com a exceção de um atendente dessa lanchonete – reconheceu um dos maiores lutadores de MMA de todos os tempos.

Parecem duas pessoas diferentes ou uma mesma pessoa em duas encarnações distintas, mas sou apenas eu em junho (foto 1) e agosto (foto 2) de 2011, separada por um corte de cabelo. Na primeira foto, o único registro que tenho com Anderson Silva no evento do


Parecem duas pessoas diferentes ou uma mesma pessoa em duas encarnações distintas, mas sou apenas eu em junho (foto 1) e agosto (foto 2) de 2011, separada por um corte de cabelo. Na primeira foto, o único registro que tenho com Anderson Silva no evento do Copacabana Palace organizado pelo UFC para comunicar que a organização viria ao país novamente (pela primeira vez ao Rio), para o UFC 134. Na segunda foto, Dana White me recebe um dia antes do evento, para uma entrevista que fiz para a revista VIP.

Quando foi anunciado que Anderson estrearia no UFC em solo nacional, fiz questão de estar lá. Encontrei o atleta todo animado semanas antes, no evento que a organização fez para a imprensa no Copacabana Palace. Ele fez questão de vir à minha mesa no restaurante e conversar. Estava feliz – era um sonho lutar para uma plateia brasileira. No intervalo de tempo entre nosso primeiro papo e o UFC Rio 1, como aquele evento foi apelidado, muita água já havia passado debaixo daquela ponte. Anderson Silva tinha finalizado o falastrão Chael Sonnen com um triângulo em agosto de 2010 e, seis meses depois, havia nocauteado Vitor Belfort, com um chute frontal. O lutador nascido em São Paulo e criado em Curitiba já começava a ganhar muita popularidade.

No dia 26 de agosto de 2011, um dia antes da luta, Dana White me recebeu no rooftop do Hotel Fasano, no Rio, onde estava hospedado. Conversamos longamente por quase duas horas para uma outra matéria que eu estava produzindo para a VIP. Na edição de agosto, a revista tinha dedicado um especial para falar sobre o retorno do UFC ao país (em 1998, a organização ainda pouco conhecida do público já havia feito um evento no Ginásio da Portuguesa, em São Paulo, com uma luta entre Vitor Belfort e Wanderlei Silva). A entrevista com Dana seria publicada no mês seguinte – uma revista de interesses amplos como a VIP tratar sobre MMA e UFC em duas edições consecutivas mostrava o interesse que o assunto estava atraindo. Naquela manhã, Dana me convidou para assistir à luta de Anderson ao seu lado – eu, aliás, já escrevi aqui sobre esse episódio - Leia aqui a matéria "Profissão Repórter.

No sábado, dia 27, cheguei na então HSBC Arena, na Barra, por volta das 15h – o evento começaria às 19h, mas eu queria sentir o clima. O local já estava cheio. Ninguém a fim de perder nada – os ingressos para o evento tinham se esgotado apenas horas depois de serem colocados à venda. O card prometia e a pesagem na tarde anterior, no mesmo local, já tinha dado o tom: a plateia havia hostilizado absolutamente todo adversário estrangeiro.

Além de Anderson Silva contra o japonês Yushin Okami na luta principal, vários nomes já então bastante conhecidos atuariam naquela noite: Maurício Shogun (contra Forrest Griffin), Rodrigo Minotauro (contra Brendan Schaub), Edson Barboza, Thiago Tavares, Rousimar Toquinho Palhares e Erick Silva, entre outros. Foram 12 combates – e o público assistiu a todos em êxtase. A entrada de Paulo Thiago ao som da música “Tropa de Elite”, da banda Tihuana, foi uma das mais incríveis que já presenciei ao vivo. As pessoas cantavam em uníssono enquanto o lutador, que é policial do Bope, caminhava até o octógono. A luta mais emocionante da noite foi, para mim, a que colocou Minotauro e Schaub frente a frente. Fazia 18 meses que o brasileiro não pisava no cage. Sua vitória por nocaute, que ganhou o bônus de nocaute da noite, levantou os 15 mil torcedores e ele saiu emocionadíssimo.

Quando Anderson Silva entrou na arena, nada me lembrou aquele episódio com um cara quase anônimo um ano antes no shopping. O HSBC quase veio abaixo. Dana White não acreditava no que presenciava. “Nunca vi uma plateia fazer tanto barulho”, ele me disse. No octógono, o brasileiro passeou. Demonstrava estar gostando da luta. Ele mordia e assoprava: quando dava algum golpe mais contundente, abria espaço para o japonês se recuperar. Venceu quando quis: por nocaute técnico, aos 3:01 do segundo assalto. Achei que a arquibancada desmontaria.

De lá, fomos todos para uma casa noturna na Barra, onde ele e Minotauro receberam os amigos. Motivos para comemorar não faltavam. O primeiro evento no Rio impressionou tanto e foi um sucesso tão absoluto que vários outros foram agendados na sequência pelo UFC. Este que acontece agora em maio já é o UFC Rio 10. Quanto a Anderson, muito mais água passou debaixo da ponte. Sua rivalidade com Chael Sonnen aumentou e o americano ganhou uma chance de revanche – que terminou com o brasileiro vencendo novamente, um ano depois. Entrevistei Anderson mais algumas vezes – uma delas, para uma edição especial da revista Superinteressante apenas sobre MMA (ele foi a capa). Outra, para uma edição especial da revista Placar (que abriu uma exceção inédita e fez dois especiais, que ajudei a preparar, sobre outro esporte que não o futebol). Numa terceira ocasião, Anderson me deu uma entrevista muito sincera e séria depois de sua primeira derrota para Chris Weidman.

Muita coisa mudou, menos a capacidade de Anderson Silva de se reiventar. De se testar, aceitar desafios – e, principalmente, se divertir no processo. É o que espero assistir agora em maio, no UFC 237.