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Entrevistas

O showman do octógono

O paraense Michel Pereira, que estreou fim de semana passado no UFC, mistura luta com dança e acrobacias para, segundo ele, dar ao povo o que o povo quer.

Michel Pereira tem só 25 anos, acabou de estrear no UFC e já está dando o que falar. Tudo por causa de sua luta, que terminou com um nocaute espetacular, em menos de dois minutos, no britânico Danny Roberts no último sábado no UFC Rochester. Não foi apenas a sequência de golpes – uma joelhada voadora e um direto – que chamou atenção do público. A plateia já vibrava com a ousadia do atleta paraense, que provocou, baixou a guarda, deu uma pirueta e pisões na grade, no maior estilo “MMA moleque”.

“Isso não foi nada”, diz, por telefone e direto de Michigan (EUA), onde está morando, um Michel sem modéstia. “O que vocês viram ali não é nem o começo do que eu faço. Só lutei um minuto e 45 segundos, não é nada. Era o começo da luta, estava quietinho ainda, estudando meu adversário, vendo o que ele ia fazer, e já foi daquele jeito. Não mostrei nada, estava só esquentando.”

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Isso pode soar como arrogância. Não se engane: Michel é um cara humilde – mas extremamente confiante. “Estava muito bem preparado, focado, com a cabeça boa. As coisas fluem quando você faz o caminho certo. Estava muito confiante no que iria fazer. Era minha estreia no UFC. Estava com muita vontade de fazer essa luta, de dar o meu show, de mostrar para o mundo quem e o Michel Pereira, que faz essas coisas doidas.”

De fato, essas “coisas doidas” fazem parte do cartel de Michel. Nascido em Marabá, mas criado em Tucumã, no Pará, cidade que ele adotou como sua, ele treina caratê desde os 12 anos. Idade, aliás, em que teve que decidir sua vida. A mãe, com quem ele morava, teve que se mudar para Manaus e deu ao filho a opção de seguir com ela ou permanecer por lá, na casa do tio. “Foi acho que a maior decisão que tive que tomar na minha vida”, ele relembra. “Aos 12 anos, sem cabeça nem nada, tive que decidir se largaria a mãe pra morar com o tio. E eu resolvi ficar com ele.”


O tio tinha uma academia, onde dava aula de caratê – mas também de várias outras modalidades esportivas, inclusive aeróbica e jump e danças como zumba e street dance. Michel cresceu lá, fazendo tudo quanto é treino. “Meu tio era muito severo e eu era o cara que mais apanhava no caratê, o mais cobrado. Meu primo, de quem eu gostava muito, era meu rival. Não conseguia ganhar dele. Passei cinco anos tentando ganhar e só então consegui. Mas, pra isso, fui treinando com todos os brigadores de rua da minha cidade”, conta.

As lutas aconteciam em pequenos eventos na própria academia. “Ia quem era bom de porrada. E, assim, eu fui entrando no MMA, lutando outras modalidades, não só caratê. Minha primeira luta no MMA profissional foi aos 17 anos. Eu nocauteei aos 6 segundo com uma joelhada. O cara dava dois de mim, o apelido dele era Bombadão. Lutei por 200 reais. Sou muito medroso, mas o medo nunca me tomou, nunca me controlou. O medo é o combustível para eu fazer as coisas”

Desde o começo, o estilo “ousadia e alegria” marcou a forma como Michel Pereira  lutava. Dançarino – ele também arrasa no forró e no sertanejo –, chegou a dar aulas de zumba. Daí para começar a mesclar artes marciais e dança nos combates foi um pulo – literalmente. “Coloco a dança na luta. Misturo com uns golpes. Vai criando um estilo diferente. E vou acrescentando golpes ao meu repertório, como salto para trás, estrelinha com salto, salto correndo na grade...”

O jeito de lutar com guarda baixa foi inspirado em um de seus ídolos. “Cresci vendo o Anderson Silva lutar e admiro muito ele não só como profissional, mas também como pessoa, como pai. Me inspiro nele”, diz. “Mas gosto também do Lyoto, porque vim do caratê, do Anthony Pettis e do José Aldo. Fui misturando tudo e moldei esse estilo próprio. Treino todos os golpes, eles não surgem na hora.”

Michel Pereira passou o último ano morando no Japão, treinando e dando aulas. Foi o momento de sua vida em que mais se dedicou à luta. Agora acabou de mudar para Brighton, no Michigan, e está treinando na equipe Scorpion Fighting System. “Não sei falar inglês, mas estou tendo aula. Quero aprender o mais rápido possível para poder me expressar também para o público americano, que é muito caloroso comigo.”

Ele conta que seu maior sonho era entrar no UFC. “Queria entrar naquele corredor do UFC, na arena. Entrei emocionado, chorando. Estava chorando igual criança lá atrás. Passou um filme na minha cabeça de tudo o que eu tinha vivido até lá, o que tive que deixar de lado, festas, ficar afastado da minha família. Tudo o que tive que abdicar para treinar.” E agora que realizou este sonho? “Estou sonhando coisas novas, como ser o dono do cinturão dos meio-médios. E, claro, ser o showman do UFC. Quero que as pessoas vejam a minha luta com o mesmo sentimento que tinham quando esperavam uma luta do Anderson: sabendo que vai ter show. Vejo o MMA como um espetáculo. Estou sendo pago para dar um show. Claro que quero ganhar, ninguém entra no octógono para perder, mas alguns atletas estão deixando a desejar fazendo lutas mornas. Creio que eu, o Johnny Walker e outros atletas vamos ser a nova geração do UFC. A gente vai trazer de volta essa paixão pelo show, por ter ídolos de volta no MMA.”