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Por que Claudinha Gadelha tem um médico do esporte na equipe?

Felipe Pereira é o profissional que acompanha os treinamentos da lutadora e a ajuda a bater o peso com segurança

A equipe de um lutador do UFC geralmente é composta de uma série de profissionais: preparador físico, treinadores de várias modalidades de artes marciais, técnico principal, fisioterapeuta, nutricionista ou nutrólogo e, muitas vezes, um psicólogo. Como garantir que o trabalho dessa equipe toda tenha uma unidade no fim? Cada vez mais entra em cena um personagem essencial para isso: o médico do esporte.

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Felipe Pereira é esse elo de ligação de todos os envolvidos na preparação de Claudinha Gadelha, que luta neste sábado no UFC 239, em Las Vegas, contra a canadense Randa Markos. Como é um médico de formação, com residência (ou seja, mais três anos de especialização) em medicina esportiva, ele tem conhecimento para falar tanto com a equipe técnica quanto a de saúde. 

“Muitas vezes o atleta tem diversos bons profissionais em sua equipe, mas, se essas engrenagens não se comunicam, não consegue chegar ao objetivo final com sucesso”, afirma ele. “Costumo dizer que diversas boas intenções não coordenadas de modo estratégico podem conflitar e gerar um resultado negativo.”

O MMA é, segundo ele, um esporte muito complexo. “Em geral o atleta tem três, quatro treinadores, um preparador físico. Ele envolve uma gama de profissionais maior do que a maioria dos esportes. E a ausência de sinergia entre eles acaba comprometendo o resultado final.”

A medicina esportiva enquanto especialidade médica, e não como um braço de um profissional que já tem outra especialidade, é algo bem antigo em países europeus ou nos Estados Unidos. “No Brasil, até alguns anos atrás, ela era uma espécie de ramificação que o ortopedista ou outro profissional da área médica fazia”, diz Felipe. 

“Mas já há algum tempo é formação mesmo do médico, que fica dedicado a ela durante três anos, ou 60 horas semanais, em regime integral. A gente transita entre as diversas áreas inerentes ao exercício e ao esporte, desde a parte de emergência médica clínica e traumatológica até o manejo clínico da fisiologia do paciente.”

O atleta que tem um médico do esporte em sua equipe, como Claudinha Gadelha, passa por uma consulta com ele assim que entra num camp de treinamento. A primeira coisa que ele faz é uma avaliação clínica. “Elencamos pontos de possível fragilidade, para podermos estudar as estratégias todas em conjunto com os profissionais de saúde envolvidos.”

O especialista faz a anamnese, que é a entrevista médica, exame físico, coleta de exames laboratoriais e verifica o estado vitamínico-mineral, hormonal-metabólico e clínico-global do atleta, além de órgãos como fígado e rins. “Temos que analisar coisas como: o lutador está apto para começar um camp training? Está em fadiga física ou mental? A que tenho que estar atento em relação a estratégias?” 

Outro ponto crucial para Felipe é como o atleta chega à última semana do camp. “Ele tem de estar com um peso satisfatório para fazer uma desidratação que não prejudique seu potencial de performance”, diz. 

A perda rápida de peso, que na ciência é conhecida como "rapid weight loss", e que é muito comum nos esportes de combate, deve ser bem estudada. “Um dos meus papéis é fazer o gerenciamento do peso corporal.” 

Felipe estuda a planilha de treinamento para ver em que momento é necessário, por exemplo, já começar a diminuir o peso do atleta ou, por outro lado, diminuir a intensidade dos treinos. “Tem que haver sinergia entre o que estamos gerando de trabalho no atleta para saber se ele tem combustível para isso.”

No caso de Claudinha Gadelha, diz ele, é impossível entrar na última semana com 52 quilos, que é o limite de peso da categoria em que luta. “Ela não consegue chegar a esse peso treinando em altíssima intensidade porque isso requer um gasto energético alto e, portanto, aporte calórico.”

No começo desta semana, Claudinha reduziu a ingestão calórica – o que foi possível porque a intensidade dos treinos, com a proximidade da luta, já é bem menor. “Isso vai esvaziando as reservas de glicogênio muscular no corpo, que é a reserva de energia. E ela perde peso também por essa via, que elimina água junto.”

O mais perto possível da pesagem, ou quinta-feira antes da luta, é feito o processo de desidratação. “O corpo não foi feito para ficar sem água. Então isso tem que ser feito o mais perto possível da pesagem. Um erro muito, muito comum – talvez o mais comum – é deixar o atleta desde segunda ou terça-feira fazendo sauna e banheira. Isso deve ser feito apenas preferencialmente entre 6 e 12 horas antes da pesagem. A ciência mostra que, se temos 24 horas ou mais de recuperação entre a pesagem e o dia da luta, é possível retirar entre 6 e 8% do peso com certa segurança.”

Claudinha teve que perder apenas 6% do peso com a desidratação. “Não estressamos o corpo além da conta nos últimos dias. Na recuperação, como temos tempo, adaptamos o corpo primeiro com a reposição hidroeletrolítica, que é a de água e eletrólitos [sódio, potássio, magnésio e cloro], e depois entramos com a parte de alimentação sólida de fácil digestibilidade”, conta o médico. 

Esse processo, se feito de forma errada, interfere inclusive na performance mental do atleta, afirma Felipe. “A recuperação do peso é muito mais do que a balança. Temos que analisar se a recuperação energética foi adequada, se o glicogênio muscular foi reposto de modo correto e se o atleta está bem mentalmente, não teve fadiga mental. Um lutador que muitas vezes começa a desidratar antes da hora chega a uma fadiga mental que pode não conseguir recuperar até o combate.”

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