Pular para o conteúdo principal
Blog do Marcelo Alonso

Por que Jones venceu Reyes e continua sendo o Nº1 do MMA?

Com a evolução do esporte, ser um campeão dominante no UFC está cada dia mais complicado, e a maior prova disso é que no último ano os títulos de oito das dozes categorias mudaram de donos. Na realidade só Amanda Nunes (galo feminino), Khabib Nurmagomedov (leve) e Jon Jones (meio-pesado) são campeões há mais de dois anos, sendo que o norte-americano é o único lutador na história do evento que ostenta o cinturão há nove anos e com 11 defesas bem sucedidas.

Em quase uma década de reinado Jones nunca havia chegado tão perto de perder sua invencibilidade como no último sábado, quando enfrentou Dominick Reyes na luta principal do UFC 247 no Texas.

Veja também: Personalidades do MMA reagem à vitória de Jones

brasil

Confesso que assistindo ao evento no modo “cerveja com os amigos”, também havia concordado com a maioria, que viu um erro da arbitragem ao manter o título com o campeão. Apesar de ter achado o 2º round muito parelho, me pareceu claro que Reyes foi superior nos três primeiros rounds e Jones nos dois últimos. Por isso no domingo revi a luta com a ajuda do controle remoto, e mudei de opinião com relação ao 2º round e ao resultado da luta.

A grande questão deste round, que me havia impactado inicialmente em favor de Reyes, foi a influência psicológica daquela blitz inicial do desafiante. Na realidade foram 16 golpes no vazio (dois deles até batem na luva de Jones, mas não tem peso algum em termos de pontuação). O fato é que em termos de volume de golpes desferidos ambos terminaram o round virtualmente empatados. Por isso revi este round três vezes.

Pontuando golpe a golpe, vi uma mínima vantagem do Jones em decorrência de um cruzado de encontro, que na minha visão foi o mais contundente do round. Reyes também conectou um bom uppercut a 22 segundos do final do round. Mas, levando em conta o critério das moedas (sugerido por Guilherme Bravo em seu livro “Nas Mãos dos Juízes”) o golpe do campeão pontuou mais, por isso, na minha avaliação, foi definitivo para sua vitória neste round e na luta.

Haveria inclusive a possibilidade de o round terminar empatado, mas as comissões pedem que os juízes evitem ao máximo esta pontuação. Sem dúvida, este round poderia entrar nos protocolos dos cursos de Big John McCarthy e Guilherme Bravo como um raríssimo round 10 x 10.

Diante de uma luta definida por um round tão parelho e de tão difícil julgamento, não há como afirmar que a maioria dos juízes errou ao não tirar o cinturão do maior campeão da história do evento. Assim como não há como considerar errado pontuar 3 x 2 para Reyes. O único resultado injustificável é uma vitória de Jones em quatro dos cinco rounds como marcou o juiz Joe Soliz. Este precisa urgentemente ser afastado sendo obrigado a participar de um curso de reciclagem. Até porque voltou a cometer erros graves em outras duas lutas deste card.

A importância do estímulo para um campeão

“O campeão precisa de estímulo. Os críticos estão esquecendo tudo que o Anderson fez até esta luta com o Thales. Este desafio com um ex-campeão da divisão de cima é o estímulo que ele precisava”. Nunca mais esqueço as palavras do treinador Josuel Distak após um dos primeiros dias do camp de Anderson Silva para a luta com Forrest Griffin. Eu, que estava acostumado a assistir os treinos do Anderson desde os tempos da Chute Boxe, nunca tinha visto o campeão se colocar em tantas situações de risco como naquele dia. Lembro que ele chegou a baixar a guarda permitindo que o parceiro lhe acertasse uma sequência de socos de propósito para que se obrigasse a se recuperar a partir de uma situação adversa (semi nocauteado na grade). Coisa de doido!

Três meses depois o mundo das artes marciais testemunharia uma das exibições mais dominantes da história do esporte com aquele nocaute antológico com um jab no UFC 101. Os próximos capítulos da carreira de Anderson me mostrariam que Distak estava coberto de razão em seu raciocínio. Enquanto teve desafios que o estimularam, como Vitor Belfort, Demian Maia, Chael Sonnen e Stephan Bonnar, o gênio se manteve motivado a treinar duro, mas quando já havia batido todos os recordes, tendo o reconhecimento que merecia, Anderson passou naturalmente a reduzir a carga de treinos, seja em decorrência de contusões recorrentes ou mesmo da falta de oponentes que o mantivessem estimulado em lutas onde ele só tinha a perder.

A trajetória de Anderson nos ajuda a entender o que está acontecendo hoje com Jon Jones. Por isso sou obrigado a discordar de colegas que acreditam que seu período de decadência já começou. Basta relembrarmos a trajetória de outros grandes campeões como GSP, Aldo e o próprio Anderson. Quantas vezes no decorrer de seus reinados entregaram lutas burocráticas?

Acho precipitado se chegar a esta conclusão após três lutas seguidas com novatos que, no papel, não representavam nenhum desafio para o campeão, assim como Weidman também não parecia representar naquele dado momento para Anderson. A diferença entre os dois é que Jones, talvez até influenciado pelos erros do ídolo, já sabe que a luva do MMA “não leva desaforo pra casa”. Basta uma esquiva mal feita para o campeão cair sem som e sem imagem.

Há de se compreender a complexidade deste esporte. Mesmo sendo gênios, estes grandes campeões são seres humanos cujos corpos carregam contusões mal curadas decorrentes de cada guerra que passaram para chegar onde chegaram. Para se manterem no seu ápice atropelando desafiantes cada vez mais preparados e completos, como bem disse Josuel Distak, necessitam de estímulo.

O fato é que mesmo claramente desmotivado em suas últimas três lutas contra talentos famintos da nova geração, Jones não deu show, mas também não brincou e fez o suficiente para vencer os três (Marreta e Reyes de maneira polêmica), reescrevendo seu nome na história como recordista em defesas de títulos.

Até pelo histórico recente do campeão não há como afirmar que ele está em decadência. Que o digam Alexander Gustafsson e Daniel Cormier, que chegaram perto de vencê-lo na primeira luta e, quando confrontados novamente com Jon Jones acabaram nocauteados. Dana White não garantiu a revanche imediata para Reyes, mas caso isso ocorra, respeitando a história recente do campeão e também levando em conta as atuações de Reyes contra OSP e Oezdemir, apostaria em mais uma vitória de Jones. Só que desta vez mais dominante.

Obviamente uma hora a carreira de Jon Jones entrará em declínio em decorrência de tantos anos colocando o corpo à prova diante dos melhores lutadores de três gerações, só acho que não faz sentido que este processo de desaceleração ocorra aos 32 anos, mesma idade em que Anderson Silva conquistou o cinturão dos médios e iniciou seu reinado no UFC.

O balé de Shevchenko

Ao contrário de Jones, Valentina Shevchenko confirmou seu favoritismo absoluto na luta co principal da noite, aplicando uma verdadeira aula de MMA na desafiante Katlyn Chookagian. Os atropelos sobre Katlyn e Jessica Eye, aliás, deixam claro o abismo técnico que existe nesta divisão entre a campeã e as outras meninas. Algo que parece se repetir, em menor escala, na divisão dos galos onde a nossa Amanda Nunes reina absoluta.

Tamanha disparidade técnica acaba tirando um pouco da emoção nestas duas divisões, deixando uma trilogia entre Amanda e Valentina como única possibilidade de luta competitiva para ambas.

Acredito que este seja um processo natural da evolução do esporte. Basta lembrarmos o que Royce fazia nas primeiras edições do UFC. Antes de começar no MMA em 2003, Valentina já era 10 vezes campeã mundial de muay thai. Ou seja, já chegou ao esporte com uma bagagem muito superior a todas as meninas que começam a se destacar.

Além de ser privilegiada fisicamente e ainda treinar na maior equipe do mundo, Amanda também trouxe uma carga competitiva muito maior que as concorrentes de sua divisão. Por isso também tem mostrado tamanha superioridade técnica sobre a concorrência.

Mas a nova geração está chegando com força e a renovação é um processo natural. A tendência é que o nível de competitividade entre galos e moscas logo se aproxime ao que vemos hoje na divisão peso-palha, onde as cinco primeiras do ranking tem níveis muito próximos. E a maior prova disso é que o cinturão mudou de mãos três vezes nos últimos dois anos e nada indica que esta dinâmica deva mudar.

Assine o Combate | Siga o UFC Brasil no Youtube