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Precisamos falar sobre o pânico

Antônio Cara de Sapato enfrentou a doença e entendeu a importância de não se calar a respeito dela

Brasil

Antônio Cara de Sapato não entendia o que estava acontecendo com ele. E isso o deixava ainda mais ansioso. O coração batia muito rápido, a pressão subia e ele tinha certeza de que estava morrendo.

Era 2011 e ele era um atleta de alto nível do jiu-jítsu. Não bebia, não fumava, alimentava-se bem. Tinha uma vida muito saudável. E estava justamente no meio de uma viagem de competição. Em alguns meses, iria para Abu Dhabi disputar o mundial do esporte.

Dias depois, ainda assustado com a crise Cara de Sapato começou uma peregrinação por vários médicos. Até que um deles indicou que ele fosse atrás de um psiquiatra, porque os sintomas pareciam ser os de transtorno de pânico. Dito e feito.

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O transtorno de pânico, como os médicos preferem chamar hoje a síndrome do pânico, tem origem no cérebro. Não é frescura, não é mimimi. É um desequilíbrio em regiões cerebrais responsáveis por reações automáticas de sobrevivência.

O médico psiquiatra Cyro Masci, de São Paulo, compara o que ocorre em nossa cabeça a uma casa que tem alarme contra ladrões. O alarme é obviamente útil para situações de emergência. Mas, em certas casas, o alarme simplesmente dispara sem motivo algum – provocando nos moradores aquela sensação de medo que todos conhecemos de um perigo iminente, mas sem razão real. É a isso que se dá o nome de crise de pânico.

Segundo a psicóloga Vera Oliveira, que atende em São Paulo e em São Bernardo do Campo, as crises são episódios de medo intenso que acontecem de forma muito repentina. “Elas têm necessariamente reações físicas muito intensas, que levam o paciente a se sentir em perigo real, correndo risco de perder a vida”, afirma. “E tudo isso sem causa aparente.”

Ela conta que são vários sintomas severos ao mesmo tempo: de falta de ar e aceleração cardíaca a sensação de morte e perda do controle emocional, passando por dor ou desconforto no peito, tontura, formigamento, ondas de calor ou de frio e sensação de desmaio, entre outros.

O tratamento envolve medicamentos como antidepressivos, para tratar os sintomas, e psicoterápico, para as causas. Foi o que Antônio Carlos de Sapato ouviu de um psiquiatra quando, em 2011, queria se livrar daquelas sensações ruins que o acometeram.

No começo, no entanto, Cara de Sapato evitou os antidepressivos – sua mãe não gostava da ideia. Quando ele foi para Abu Dhabi, estava fazendo terapia e exercícios de respiração e tomava ansiolíticos, para diminuir a ansiedade.

A viagem foi tensa – como as primeiras crises de pânico deixam a pessoa muito assustada, ela fica a partir daquele momento esperando que aquilo aconteça novamente e vigiando toda e qualquer sensação diferente.

Cara de Sapato tinha ainda um motivo extra para a ansiedade: ele enfrentaria os melhores competidores do mundo no campeonato. No ano anterior, o atleta havia vencido em seu peso e no absoluto o Mundial de jiu-jítsu. De volta dos Emirados Árabes, ele teve certeza de que precisava do tratamento completo.

Cara de Sapato teve mais uma crise forte, antes de começarem as gravações do The Ultimate Fighter Brasil 3, edição da qual ele participou – e saiu vencedor. “Tive antes do TUF meio que uma recaída”, conta o atleta, que enfrenta Uriah Hall neste sábado no UFC Vancouver. “As medicações ajudaram, assim como a terapia. Fui lá e ganhei.”

Antônio Cara de Sapato sabe da importância do fato de ele falar sobre o assunto abertamente, todas as vezes que pode. “Gosto muito de falar sobre isso. Muita gente passa por essas mesmas coisas que passei. E existe ainda muita falta de conhecimento. É difícil mesmo entender quando uma pessoa que aparentemente está saudável começa a achar que está morrendo. Mas é uma coisa química”, diz ele.

“Falo sempre para quem sente medo ou vergonha que existe um atleta do UFC que tem síndrome do pânico. Espero que ajude elas a sabe que é importante não desistir e trabalhar a cabeça para se manter em paz. É um grande desafio, mas a vida continua.”