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Notícias

Profissão repórter: parte 1

Para celebrar o Dia Nacional do Repórter, em 16 de fevereiro, jornalistas esportivos contam as histórias mais inusitadas que já viveram em coberturas do UFC. Acompanhe aqui a primeira parte

Escrevo este texto abalada pela morte de Ricardo Boechat. Aos 66 anos, o apresentador do Grupo Bandeirantes foi uma das duas vítimas fatais da queda de um helicóptero na manhã desta segunda, 11 de fevereiro. Passei o dia ouvindo, lendo e assistindo a tudo sobre de Boechat que, a despeito de ter conquistado o status que o permitia dar suas opiniões ao vivo e que o elevou a um patamar altíssimo na hierarquia jornalística, nunca perdeu a alma de repórter – aquela que nós temos, ou deveríamos ter, de procurar incansavelmente pela verdade, de apurar com rigor, de termos o público (leitor, telespectador, ouvinte, internauta, quem seja) como único objeto de nossa preocupação.

Por causa de Boechat e de sua contribuição à profissão que escolhi, você vai ouvir falar muito sobre jornalismo neste e nos próximos dias. Entre perrengues e glória, se tem uma coisa que ser repórter nos possibilita é conhecer muita gente interessante e colecionar tanto causos dramáticos e bizarros como outros divertidíssimos. Para lembrar o Dia Nacional do Repórter, comemorado em 16 de fevereiro, pedi para cinco amigos jornalistas que me contassem suas lembranças mais inusitadas em coberturas de UFC. Como bons contadores de histórias, eles discorreram sobre as suas com riqueza de detalhes. Por isso dividi a matéria em dois episódios. Aqui vai a parte 1, com um causo meu e de dois colegas. A próxima parte vem no meio desta semana. Esta é nossa homenagem – divertida, com galhofa, como, aliás, era Ricardo Boechat.

Clique aqui para ler "Profissão Reporter: Parte 2".

Marcelo Alonso, apresentador do Canal Combate

“Minha história imbatível é a estreia do Vitor Belfort no UFC 12 [fevereiro de 1997]. Seis meses antes, passei na Califórnia e o Carlson Gracie me recebeu na casa dele. Já conhecia o Vitinho desde a faixa azul, no juvenil, mas fiquei impressionado em como ele estava forte. O Carlson me falou: ‘Esse cara aqui é um fenômeno. Quero desafiar todo mundo porque ele vai bater em todo mundo’. Publiquei essa entrevista na Tatame e lançamos a revista: ‘Vitor Belfort Gracie, o fenômeno de Carlson’. Meses depois, ele estreia num evento no Havaí [o SuperBrawl 2, em outubro de 1996], dá aquele passeio no gigante Jon Hess, e um ano depois da entrevista estava lá eu com eles cobrindo a estreia de Vitor no UFC 12. Como sempre, eu fui botando dinheiro do meu bolso e ficando no quarto dos lutadores. Em suma, consegui a passagem até Niagara Falls, Nova York, num frio danado. Logo depois da conferência de imprensa, fui com o Vitor para ver o octógono e tirei uma foto do lado dele – atrás da gente dá para ver o octógono sendo montado. Duas horas depois dessa foto, fomos para outro evento com imprensa e lutadores e Big John McCarthy dá a noticia que o senador John  McCain tinha usado toda sua influência para proibir o UFC em Nova York. Foi aquele banho de água fria. Todo mundo se perguntando: como assim? E aconteceu a histórica ida para o Alabama.

Em 12 horas simplesmente tiveram que desmontar tudo e remontar um evento a 1600 quilômetros dali. Alugaram um Boeing e botaram todos os equipamentos, por isso o avião estava superlotado e pesado. Eu e os jornalistas não estávamos no avião, era só para os lutadores, equipe e pessoal da montagem. Mas Carlson Gracie fez pressão e conseguiu me botar com a equipe do Vitor. Só que o embarque estava demorando e duas horas depois fui fazer um xixi rapidinho. O Carlson falou: ‘Não vai mijar agora’. Mas pensei que não estava aguentando segurar e já tinham atrasado tanto que não iriam chamar bem na hora do meu xixi. Quando eu volto, tinham chamado para embarcar e eu tinha perdido a entrada. O Carlson já estava no avião e eu sabia que sem ele eu não entraria. A Elaine McCarthy, mulher do Big John, me barrou, dizendo que jornalistas não iam. Carlson ficou bravo, mandou a assessora dele descer e dizer que, se eu não fosse, o Vitor não lutava porque o Carlson ia descer do avião. Foi uma pressão tão grande que a Elaine me deixou entrar. Se não fosse isso eu não teria conseguido, porque não tinha dinheiro para comprar a passagem e nem para alugar um carro e dirigir 24 horas para lá. Graças a pressão do Carlson, fui colocado no Boeing e acompanhei o que é, na minha opinião, um dos momentos mais loucos da história do UFC. Às 5h da manhã, estávamos eu, Mark Coleman, Dan Severn e Vitor no balcão esperando pra fazer check-in com o dia nascendo. E 12 horas depois os caras saíram na porrada no octógono e o Vitor se consagrou como o campeão mais jovem do UFC e virou o “Fenômeno”. Devo essa e muitas outras ao grande mestre Carlson. Um fato curioso é que, quando entro no avião, tomo o maior esporro da minha vida. Ele tinha falado pra eu não ir fazer xixi e eu fui, né? Ele estava lá no fim do avião e gritava, com aquela boca suja: ‘Burro, burro do car****, ia se fo***, bem-feito’. O time todo gargalhando e os gringos olhando assustado para aquele cara que tomava esporro do Carlson. Foi muito engraçado. Depois que tudo voltou ao normal, Carlson me olhou e falou: ‘Pô, Marcelão, já pensou se esse avião cai? Acaba o vale-tudo no mundo’.”

Ana Hissa, jornalista do SporTV e do Canal Combate

“A situação mais inusitada que já vivi no UFC foi no evento de lançamento em que Jon Jones e Daniel Cormier iam lutar pela primeira vez [no UFC 182, em janeiro de 2015]. Os dois já tinham uma rivalidade. E esse evento, diferentemente de todas as coletivas, que são feitas no auditório, foi montado no meio do lobby do Hotel MGM. Eu estava lá cobrindo o evento com minha câmera, filmando tudo, e quando Jon Jones e Daniel Cormier foram se encarar rolou aquela confusão toda: os dois começaram a sair na porrada no meio de toda a galera. E veio um segurança afastando de cá, outro de lá... Acabou que Daniel Cormier foi para um lado, tirou o sapato e o tacou no Jon Jones. Só que o sapato acabou vindo na minha direção. Tirei a câmera para não acertar nela e ele pegou na minha coxa. Ela ficou marcada por uma semana, parecia que eu tinha levado um chute do José Aldo. O mais engraçado é que depois o Leandro Vieira, que é treinador do Daniel Cormier, contou isso para ele. O Cormier ficou superconstrangido e lembra disso toda vez que encontro com ele, sempre me pede desculpas pelo sapato [DC gravou um vídeo com um pedido de desculpas público]. Como o Cormier é mais baixinho, o sapato tinha um salto, por isso ele era tão pesado e me marcou. Ele até quis me mandar flores depois.” Clique aqui para ver o vídeo.

Cláudia de Castro Lima, ex-editora da revista VIP

“De coberturas do UFC, tenho várias histórias memoráveis, como certa vez, em 2010, em que andei com Anderson Silva em um shopping de São Paulo por cerca de uma hora e meia e ele não foi reconhecido por ninguém, a não ser pelo atendente de uma rede de lanchonetes – na época, ele não era famoso no Brasil ainda, embora já fosse campeão dos médios do UFC. Mas a que mais gosto de contar aconteceu em agosto de 2011, mais precisamente no dia 27, na primeira vez que o UFC foi realizado no Rio de Janeiro. Uma manhã antes, na cobertura do Hotel Fasano, fiz uma longa entrevista com Dana White, presidente da organização. Por quase duas horas, ele me contou sua história e a história do torneio que ajudou a levantar e a transformar no gigante que é hoje. No fim do papo, perguntei se no dia do evento eu conseguiria enxergá-lo na antiga HSBC Arena (hoje rebatizada de Jeunesse Arena), porque queria observar suas reações para poder descrevê-las em meu texto, que foi publicado na revista VIP, para a qual eu trabalhei nos últimos oito anos. Ele disse que sim, mas falou que faria melhor: me chamaria para me sentar ao lado dele em uma das lutas. Na noite seguinte, Dana fez o que prometeu: pediu para o segurança ir me buscar em meu assento pouco antes de começar a luta principal, de Anderson Silva contra Yushin Okami. Quando cheguei onde ele estava, uma cadeira ao lado me esperava. Sentei nela, mas Dana me disse para me levantar em alguns segundos e me perguntou se, em vez de ocupar o lugar ao lado, eu não preferia me sentar na cadeira dele – me contaram depois que ele nunca tinha cedido seu lugar a um jornalista antes. Aceitei e assisti, da cadeira de Dana White, ao combate que terminou com um nocaute do brasileiro. Com um bônus: vi a luta com a narração do próprio presidente do evento, que estava espantado porque era seu primeiro evento no Brasil e ele nunca tinha visto uma plateia tão apaixonada.”