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Um vídeo de um minuto chamou a atenção dos seguidores de Mayra Sheetara no Instagram. Nele, a atleta faz, durante os treinos da Fight Week que ocorre em Brasília, uma pesadíssima sessão de manopla, com diversos jabs, diretos, cruzados e chutes giratórios. Quem arranca suor e (quase) lágrimas dela é a treinadora Fabiana Belai.
Líder da equipe que leva seu nome, Fabiana é uma ex-atleta de kung fu, kickboxing e muay thai que mantém uma academia em Campinas, interior de São Paulo, para onde Sheetara faz questão de se deslocar três vezes por semana.
A história de Fabi com as artes marciais começou quando ela era criança, aos 9 anos, dotada de excesso de energia. À mãe foi recomendado que fizesse Fabi se exercitar para gastar isso tudo. Inspirada por Bruce Lee, ela então começou a fazer kung fu, esporte que a fez conquistar o título de campeã brasileira já aos 14 anos.
Dois anos mais tarde, procurando outras atividades para diversificar seu arsenal, ela encontrou o kickboxing. Apenas um ano depois ela já foi campeã brasileira na categoria adulto. “Fui reconhecida pelos treinadores como um grande talento. Mesmo sendo menor, fui convocada para a seleção brasileira na categoria adulto para participar do mundial da WAKO na Polônia. Fui liberada pela Federação [Confederação Brasileira de Kickboxing] e viajei com autorização dos meus pais”, diz ela.
“Com o ímpeto da juventude e muita disciplina nos treinos, fui virando uma grande aposta no mundial. Mas por ser muito novinha, pela precocidade, parei diante da campeã mundial.” Quando voltou, obstinada, Fabi resolveu aprimorar seu jogo. “Fui procurar treinador na luta em pé para melhorar minhas técnicas, e descobri então o muay thai.” Treinando com o notório mestre Paulo Nikolai, ela se realizou. “A partir daí, meus treinos dobraram de intensidade e a técnica, aliada à agressividade que eu tanto buscava na luta, apareceu – junto com a paixão pelo muay thai. Essa nova modalidade me trouxe mais títulos.”
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O novo amor, no entanto, não pode ser sustentado por tanto tempo. “A necessidade financeira bateu com a falta de patrocinadores para o esporte que é tão pouco divulgado no Brasil”, lembra ela. “Quando estava no auge, tive que escolher entre os treinos ou ingressar no mercado de trabalho e começar meus estudos na faculdade para ajudar a família”, conta ela. Formou-se em recursos humanos e foi trabalhar na administração de um hospital. Mas não estava feliz. “Estava incomodada com a profissão que exercia.”
Quando recebeu um convite para dar aulas de muay thai em uma academia, resolveu voltar ao antigo amor. “Acendeu de novo a chama e uma nova motivação para voltar ao esporte. Isso me encorajou a deixar o emprego estável e me dedicar às artes marciais.” Começou a dar aulas e sentiu necessidade de adquirir mais conhecimento. “Foi quando fui para a Tailândia. Tive desde então a oportunidade de viajar três vezes para lá.”
A fama de exigente de Fabi se espalhou por Campinas e ela começou a ser procurada por pessoas que queriam tornar-se atletas de muay thai ou por atletas que queriam aperfeiçoar sua técnica.
Foi quando começou a sentir o peso do machismo. “Quando era atleta, não senti o machismo. Eu fui desacreditada como atleta, mas por meu perfil físico, porque era magra. As pessoas associam a qualidade da luta à condição física. Mas depois ganhei respeito no Brasil inteiro com meus resultados. Como treinadora, no início recebi uns olhares desconfiados. Uma coisa: ‘O que essa menina veio fazer aqui?’, ‘O que essa treinadora acha que está fazendo aqui?’”.
A reação de Fabi foi não revidar o ataque, mas provar do que é capaz. “Não ligo e nem brigo em relação a isso, porque consegui através dos meus resultados e, como treinadora, com os resultados dos meus atletas conquistar respeito. Ele veio pela competência, não por imposição.”
É aquela máxima de que contra fatos não há argumentos. “Não tem muito o que contestar. Não ensino meus atletas a levantar supino, ensino a aplicar uma técnica bem-feita. Me atento aos detalhes, como rotacionar um quadril e um ombro para adquirir mais força, como se proteger melhor, como se posicionar, à direita, como se posicionar à esquerda, treinamos táticas e estratégias de acordo com adversário, é mais uma questão de inteligência.”
Mayra Sheetara chegou até lá, há dois anos e meio, por intermédio de outra atleta, Glória de Paula, aluna de Fabiana. “A Glória é oriunda daqui. Quando ela quis ir para o MMA, eu que encaminhei para a ChuteBoxe. Elas se conheceram lá e Glória soube que a Mayra procurava correções técnicas e de postura de seu jogo em pé, e me indicou”, lembra.
A treinadora diz que a evolução da pupila foi enorme. “Mayra evoluiu muito nesse tempo”, diz. “Ela tem espírito de lutadora, tem gana, é guerreira, isso já é dela. Mas ela precisava de técnica. É muito disciplinada e chegou com muita humildade, pediu ajuda, e isso fez com que ela tivesse uma evolução técnica impressionante. Isso fez com que tanto no ‘Contender Series’ quanto no UFC São Paulo [ambos em 2018] ela tivesse uma apresentação em pé brilhante.”
Fabiana conta que as mudanças foram sutis no jogo de Sheetara. “A gente colocou alguns detalhes técnicos que maximizaram muito mais a força que ela tem. A força bruta dela foi lapidada e ela conseguiu crescer todos os dias.”
Os treinos de Fabiana Belai e os de Diego Lima, da ChuteBoxe, são complementares. “Trabalho hoje especificamente a parte em pé dela”, conta Fabi. “Não nos intrometemos com treinos de outras áreas. As equipes se respeitam, se aliam e, assim, crescem juntas.”