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Resenha UFC Londres, por Alexandre Matos

 Alexandre Matos é fã de todos os esportes de combate e fundador do site MMA Brasil. Ele estará aqui toda semana para comentar e palpitar os eventos.



O retorno de Anderson Silva ao octógono deu pano pra manga. Na real, está dando até agora. Num combate animado, equilibrado e polêmico, o brasileiro foi derrotado por decisão unânime pelo britânico Michael Bisping, na luta principal do UFC Fight Night: Silva vs. Bisping. De quebra, viu o oponente quebrar seu recorde de vitórias na divisão dos médios (14) e ficar a apenas um triunfo de empatar com Georges St. Pierre como o lutador que mais venceu na história do UFC (19). 

Mais uma vez as "brincadeiras" de Anderson voltaram a ser assunto. Assim como aconteceu na primeira derrota para Chris Weidman, muitos fãs associaram o resultado a este comportamento. Assim como aconteceu contra Weidman, realmente a postura do ex-campeão influenciou no andamento das ações. Mas não só isso.

Analisando a luta, Anderson atuou bem abaixo de seu padrão nos dois primeiros assaltos. Várias vezes ele se preocupou em baixar a guarda e se encurralar na grade para atrair Bisping. A intenção do brasileiro com isso é quebrar o psicológico do adversário – talvez nunca tenha havido no MMA um lutador com tamanha capacidade de lidar com emoções, suas e dos oponentes. O "Spider" é um atleta que sempre deixou suas emoções do lado de fora do octógono, o que foi um dos pilares de sustentação de seu incrível reinado. E ao fazer com que emoções dos rivais aflorassem, ele facilitava sua tarefa em busca da vitória ao fazer com que oponentes sentissem raiva, medo ou qualquer outro sentimento que ajuda a drenar o reservatório de gás. Não foram poucas as vezes que Anderson pareceu vencer bem antes de o resultado estar oficialmente sacramentado.

Isso tudo funcionou muito bem (com alguns exageros totalmente desnecessários, como o episódio da luta contra Demian Maia, por exemplo) até o dia 6 de julho de 2013. Naquele momento, Chris Weidman mostrou ao mundo que, para vencer Anderson Silva, é preciso não cair nos jogos psicológicos do "Aranha". Em vários momentos, Weidman ameaçava avançar e desistia, para só depois entrar com algum golpe ou combinação. Nos dois primeiros rounds de sábado, Bisping repetiu a estratégia. Cada vez que o inglês parava, ele se recompunha mentalmente, voltava as atenções para o plano a ser executado e evitava se perder psicologicamente nas artimanhas de Anderson.

"Ok, Bisping não tem o poder de punch de Weidman", muitos devem ter pensado. Acontece que, aos 41 anos, vindo de um ano sem lutar por lesão e outro por suspensão por doping, Anderson também não tem a velocidade e agilidade de outrora, características fundamentais para executar suas esquivas e contragolpes. Deste modo, em algum momento ele acaba ficando com os pés paralelos, ou acaba parando dentro do raio de ação do adversário. Não foi por acaso que Bisping anotou um knockdown tão parecido com o nocaute aplicado por Weidman em julho de 2013. 

Aliás, abre parêntese para esclarecer um ponto: Anderson sofreu dois knockdowns no combate. No primeiro round, ele foi atingido por um golpe e bateu com o joelho no chão antes de se recompor. As regras do MMA não são claras em relação ao knockdown, mas, no boxe, quando um lutador encosta qualquer parte do corpo no chão que não seja a sola do pé proveniente de um golpe do adversário, é considerado knockdown. Do mesmo jeito falam as regras do K-1, que chama esse knockdown rápido de flashdown. Fecha parêntese. 

Nunca antes, em sua carreira no UFC, Anderson desperdiçou tantos golpes como nos 10 primeiros minutos da luta contra Bisping. Ele entrou claramente atrás por 20-18 no terceiro assalto e com uma necessidade enorme de mostrar senso de urgência, seja para conseguir um nocaute, seja para ganhar os três rounds restantes e virar a luta. E, ao invés de mudar a postura, Silva seguiu tentando usar o artifício do desequilíbrio psicológico, que não estava dando certo. Apenas nos segundos finais o "Spider" mostrou que precisa de poucos segundos para decidir a parada, como eu havia dito na prévia. Anderson caçou Bisping no octógono, acertou uma joelhada em cheio e viu o adversário se virar para o árbitro para avisar que seu protetor bucal havia caído. Bisping aqui esqueceu do primeiro mandamento do mundo das lutas: proteja-se o tempo todo. Herb Dean ordenou que a luta prosseguisse e Anderson aproveitou a desatenção de Michael para mandá-lo à lona com uma sensacional joelhada voadora. No exato segundo em que o joelho de Anderson choca com o queixo de Bisping, o gongo soou. E dá-lhe polêmica.

Bisping caiu em estado crítico. Anderson aproveitou a situação e comemorou uma vitória por nocaute. Subiu na grade, como de costume. Só que Dean não havia decretado o fim do combate. Para o árbitro, seria necessário que Anderson desse um "confere" para realmente por fim à luta. E não havia mais tempo para isso. Assim, Herb Dean disse que a luta continuaria. Acertadamente, no meu ponto de vista. 

Pelo menos esse momento final de 3º round deu ânimo a Anderson, que voltou melhor nos dois seguintes, inclusive melhorando muito seu percentual de aproveitamento de golpes. Só que, ainda num misto de estar preso em seu personagem e por estar sem ritmo de luta, Silva não foi o matador de outrora. Isso ficou claro no último round, quando ele acertou um violento chute frontal no rosto de Bisping, que saiu catando ficha e não caiu por pouco. Ao invés de partir para decidir a parada (provavelmente mais um golpe colocaria Bisping na lona, à mercê do ground and pound), Anderson não conseguiu ser eficiente, como fora a vida inteira. Ele deixou o oponente se recuperar e chegar até o gongo final, mostrando muita coragem, com o rosto coberto de sangue.

Na minha contagem, Michael Bisping venceu os rounds 1, 2 e 4, vencendo a luta por 48-47. O único round que merece cuidado é o quarto, mas o britânico acertou mais golpes, inclusive os contundentes, como mostra a contagem oficial do UFC (28 a 19 a favor de Bisping). O mesmo placar, com as mesmas parciais, foi marcado pelos três juízes oficiais, que concederam vitória por decisão unânime a Bisping. 

Gegard Mousasi controla distância com maestria e vence Thales Leites


O outro brasileiro em ação no octógono montado em Londres não teve melhor sorte que Anderson. Thales Leites tinha a missão de se recuperar da derrota sofrida para Bisping, em seu último compromisso, mas acabou preso na armadilha de Gegard Mousasi.

O iraniano filho de armênios e naturalizado holandês deu um show de controle de distância, usando com maestria seus jabs que servem para deixar o adversário longe e também como ferramenta ofensiva. Thales até tentou imprimir uma tática correta, a de grudar Mousasi contra a grade, desgastá-lo no clinch e derrubá-lo. Porém, com movimentação fluida, golpes em bom volume e defesa de quedas em dia, Gegard negou todas as 10 vezes em que Leites tentou levar o duelo para o chão. 

Incapaz de invadir o raio de ação do adversário, Thales foi se desesperando com o tempo passando e chegou a deitar, chamando Mousasi para sua guarda. Óbvio que o europeu não caiu nessa. Em outra oportunidade, quando conseguiu o clinch, Thales tentou puxar Mousasi para a guarda, novamente sem êxito. O carioca foi para o tudo ou nada, mas sua técnica de troca de golpes em pé é inferior à do oponente. Mousasi carimbou o rosto de Leites mais algumas vezes quando finalmente foi atraído para a guarda do faixa-preta. Por cima, o “Apanhador de Sonhos” não fez muito mais do que se proteger, contando com o cansaço de Thales. Vitória tranquila de Gegard Mousasi por 30-27 na minha contagem e na de dois juízes laterais – o terceiro apontou 29-28 para o gringo, garantindo a decisão unânime.