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Entrevistas

“Seis lições que a vida e o crime me deram”

Cláudio Hannibal, que luta este sábado em Newark, já tomou tiro e ficou preso, mas hoje é não só um lutador como também um homem de negócios

Ele tem o mais comum dos sobrenomes brasileiros: Silva. Mas a história que ele carrega nas costas não tem nada de ordinária.

Natural de Rondonópolis, no Mato Grosso, Cláudio Henrique da Silva entrou para o mundo do crime aos 13 em Uberlândia, em Minas Gerais, participou de roubo de cargas, enveredou pelo universo do tráfico de drogas, levou dois tiros e uma facada, disparou sua própria arma, assaltou um cinema em um shopping e foi preso.

"Tinha 13 anos e vendia drogas. Mais tarde, comecei a fazer assaltos e conciliava a vida do crime com os treinamentos."

E, neste fim de semana, tenta sua 14ª vitória consecutiva no UFC Newark. Seu adversário, Cole Williams, estreia no campeonato em cima da hora – o oponente original, Ramazan Emeev, não conseguiu visto para entrar nos Estados Unidos. O apelido Hannibal vem da máscara com quem costuma entrar na pesagem do personagem Hannibal Lecter, que ficou famoso no filme “O silêncio dos inocentes”.

“Me envolvi no crime quando era adolescente. Tinha 13 anos e vendia drogas. Mais tarde, comecei a fazer assaltos e conciliava a vida do crime com os treinamentos. Quando eu não treinava, fazia muita coisa errada”, relembra Cláudio – que, no entanto, sabia que existia um antídoto. “Quando treinava, achava que esse mundo nem existia.”

Hoje, com a distância e a maturidade, ele arrisca fazer uma autoanálise: “O que me levou a fazer essas coisas acho que foi aquela história da adolescência, da autoafirmação. Queria mostrar que eu era o mais forte, o mais corajoso”.

Filho de militar, Cláudio começou a praticar arte marcial ainda criança. “Eu sempre gostei disso. Ficava assistindo aos filmes do Bruce Lee e do Van Damme, e tinha coleção de revistas Tatame e Gracie Magazine. Sempre tive muita vontade de treinar no Rio e morar lá”, diz ele.

“Fui treinar na Brazilian Top Team quando era faixa azul. Lá eu via o [Ricardo] Arona, o [Rodrigo] Minotauro, o Paulão [Filho], o Murilo Bustamante, e sempre quis ser um cara da BTT que representasse o MMA no mundo. Hoje sou um lutador da American Top Team. Foi a realização de um sonho.”

Cláudio mora em Londres há 12 anos e diz que lá aprendeu a ver o mundo de uma forma diferente. “Quando cheguei em Londres era muito agressivo ainda e fui aprendendo muita coisa. Tenho muito amigo indiano, paquistanês, muçulmano. Em Londres tem gente de todo mundo, é uma cidade muito cosmopolita. Lidamos com vários tipos de cultura todo o tempo”, conta.

“Brinco dizendo que sou um britishzilian, porque Londres foi um renascimento, aprendi a viver lá. Lá aconteceram as melhores coisas da minha vida: peguei minha faixa preta, tive minha academia, comecei minha carreira no MMA, assinei com o UFC, onde treinei para o UFC. Não esqueço das minhas origens, mas Londres é minha casa hoje.”

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Hoje Cláudio não tem mais a academia, mas é um businessman: tem um delivery de açaí na terra da rainha, o Açaí Earth. “Meu sonho é abrir várias franquias em todo o Reino Unido. É ter uma marca famosa minha em Londres de açaí, cupuaçu e frutos exóticos do Brasil”.

O passado criminoso está enterrado, mas os ensinamentos ficaram. “Olhando de fora, tiro grandes lições. Tive uma evolução na minha vida e acho que hoje sou um exemplo para crianças, adolescentes e até adultos que estão no mundo do crime de que podemos refazer nossa história. E de que, quando há uma segunda chance, temos que abraçar com unhas e dentes.”

Abaixo, Cláudio Hannibal conta outras seis lições que aprendeu com a vida.

Lição 1 – Treinar duro é mais importante que ter talento

“Sempre soube que seria lutador, que estaria num grande evento. Sempre acreditei em mim mesmo. Por ser de uma cidade pequena [ele é de Rondonópolis, MT, e morou em Uberlândia, MG] e ouvir os outros falarem que não chegaria lá, queria mostrar que estava todo mundo errado. Era uma vontade muito grande. Luta, para mim, é tudo. Ninguém nunca me falou: ‘Você tem talento’. Sempre foi vontade mesmo. Eu até acho que tenho talento zero, mas meu esforço é muito maior. Quando o talento não quer trabalho duro, o trabalho duro vence o talento. É isso que acontece.”

Lição 2 – Aprenda a valorizar o que tem

“Já levei dois tiros e sofri várias tentativas de homicídio. Tomei facada e já atirei também. Joguei isso no mar do esquecimento. Hoje tenho uma vida de atleta, mas nunca esqueço de onde eu vim. Acho que isso me ajudou a ser o homem que sou hoje, a dar valor à liberdade, a dar valor às coisas, à honestidade. Vejo que a melhor vida que se pode ter é quando se é honesto. É ter liberdade, sentir o vento bater no rosto. Acho que só quem foi preso reconhece isso, sabe o valor que a liberdade tem.”

Lição 3 – Não deixe passar uma oportunidade – ela pode não voltar

“Já estou na Inglaterra há 12 anos. É um país que mudou totalmente a minha forma de pensar. Antes morei em Milão, na Itália, com uma tia minha, e fui lutar o Campeonato Europeu de jiu-jítsu. Não queria ir, mas lutei porque minha tia insistiu. Ganhei três medalhas de ouro e fui convidado para morar em Londres por um cara que me falou que tinha aberto uma academia e me chamou para trabalhar. E, como sentia necessidade de aprender o inglês porque sempre achei que seria um diferencial na minha carreira de lutador, fui para Londres. Cheguei com uma carta toda errada, toda contraditória, dizendo que eu ia dar um seminário. Tinha passagem só de ida, porque meu bilhete para o Brasil já tinha expirado, e com 30 libras no bolso. Na migração, mostrei tudo e um brasileiro que estava lá traduziu a conversa. O oficial falou que trabalhava fazia 14 anos e nunca tinha deixado ninguém entrar daquele jeito, mas que me deixaria entrar porque parecia que eu tinha alguma coisa com aquele país. Foi assim que tudo aconteceu.”

Lição 4 – Com disciplina conseguimos o que parece impossível

“A luta sempre me deu disciplina. Sempre treinei muito, pensando na vitória, e a luta me mostrou o mundo. Quando fui montar meu negócio de açaí, um monte de gente veio me desencorajar. ‘Seu ramo é o esporte’, ‘tem que fazer luta’, me diziam. Só que falei pra eles: ‘Eu tenho disciplina, e se eu coloco a mesma disciplina da luta nos negócios sei que tudo vai dar certo, porque tenho uma coisa que muitos businessmen não têm, que é dureza mental’. Boto na minha cabeça que uma coisa vai acontecer e acontece. Estudo, procuro ler, vou atrás de vários tipos de informação e isso ajuda muito na minha vida.”

Lição 5 – Desistir nunca é uma opção

“Sempre penso em desistir nos camp, principalmente quando apanho nos treinos. Mas tenho uma frase: se eu desistir, nunca vou conseguir conviver com isso. Se eu desistir, vou morrer todas as vezes que me olhar no espelho. Se um dia eu desistir de um camp por mim mesmo, não por lesão, é assim que vou me sentir, por isso nunca paro. Todo mundo tem medo, até o corajoso. Mas temos que saber controlar ele. O medo faz a gente travar, congelar, não ir atrás dos sonhos. Contra a ansiedade, faço muita visualização. Gosto de mentalizar a luta, ouvindo uma música calma, sozinho, para ficar concentrado. E o combate só acaba quando termina, né? Quando o juiz levanta o braço de alguém.”

Lição 6 – Gratidão é a maior das virtudes

“O juiz José Luiz de Moura Faleiros teve uma conversa comigo na minha primeira audiência depois da prisão. Ele falou: ‘Sei que você não usa drogas, não é um cara do mal, por isso vou te dar uma oportunidade’. E ele me deu uma segunda chance. Fui preso quando fiz um assalto a um cinema num shopping. Queria dinheiro para lutar o Pan-Americano nos Estados Unidos e tentei patrocínio em todas as empresas e na prefeitura da cidade e não consegui. Falei isso para ele, contei a verdade. Eu já era campeão brasileiro. Ele falou pra mim: ‘Vou tirar você de lá [da penitenciária], mas se eu vir você aqui de novo, você não sai mais da cadeia’. Assim que saí da cadeia, lutava os campeonatos de jiu-ítsu e ia mostrar para ele toda medalha que ganhava. Acabei criando um vínculo de amizade com ele. Sempre que vou para Uberlândia vou encontrar ele. Tenho total respeito pelo cara que acreditou em mim e me deu uma grande oportunidade.”

O UFC Newark terá transmissão ao vivo e exclusiva do Canal Combate neste sábado, e tem início do card preliminar previsto para as 13h (horário de Brasília).

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