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Blog do Marcelo Alonso

A surra mental em Cerrone e o futuro de McGregor

O MMA é um esporte tão complexo com dezenas de variáveis técnicas e táticas que, ao analisá-lo, muitas vezes esquecemos de um aspecto fundamental: o jogo mental.

Pois no primeiro evento do ano, Conor McGregor nos fez lembrar da importância desta valência. Obviamente a precisão e potência dos seus golpes foram fundamentais para este retorno de gala, com um nocaute em apenas 40 segundos em cima do veterano Donald “Cowboy” Cerrone, bem como sua perfeita leitura tática ao optar por acelerar no início, afinal de contas, o norte-americano é conhecido por ser um “slow starter”, mas, na minha opinião, esta luta foi decidida muito antes, no xadrez mental que se iniciou na primeira conferência de imprensa, na quarta-feira.

Veja também: Dana revela interesse em Khabib x McGregor 2Personalidades do esporte reagem ao nocaute de McGregor


Apesar de ser um dos lutadores mais valentes e ativos da história do UFC, além de detentor de diversos recordes, Cerrone também é conhecido por quebrar mentalmente em lutas decisivas (perdeu quatro disputas de cinturão na carreira) e por não gostar de duelos de trash talking.

Vindo de duas derrotas por nocaute técnico, o norte-americano chegou nitidamente tenso na primeira conferência de imprensa com McGregor, na quarta. Quando o irlandês o cumprimentou pelo belo terno e passou a ter uma postura surpreendentemente amigável, Cerrone ficou claramente aliviado e retribuiu de maneira até constrangedora defendendo o oponente quando um jornalista o perguntou sobre as acusações de assédio sexual: “Ele veio aqui falar de luta”, retrucou. Certamente a esta altura, o genial McGregor já havia percebido que entrara na mente do Cowboy.

Frente a frente no Octógono, era nítida a diferença de “vontade” de ambos. E isso ficou patente já no primeiro segundo de luta e mais ainda na leitura corporal da postura de Cerrone, na seqüência do knockdown que definiu o combate. “Nunca vi nada parecido com aquelas ombradas, foi 100% de dano, Ele adotou uma estratégia perfeita, ele foi incrível”. Os quatro elogios rasgados na primeira declaração de Cerrone a Joe Rogan ainda no Octógono, sem demonstrar um pingo de frustração, chegaram a despertar em fãs neófitos a descabida desconfiança de que a luta seria armada. Absurdo total! Na realidade, a vitória do irlandês só veio a confirmar sua genialidade no jogo mental, algo que ele já havia mostrado contra José Aldo, Chad Mendes, Eddie Alvarez, Dustin Poirier e Diego Brandão. Para qualquer um que tenha alguma desconfiança sobre a luta de sábado, basta rever os bastidores de cada uma destas lutas e a maneira como seus oponentes se comportaram no Octógono, para se chegar a conclusão óbvia de que Conor McGregor é um fora de série no jogo mental.

Jogo mental, coração e a importância da psicologia

Por falar em jogo mental, já perdi as contas de quantos textos publiquei aqui neste blog sobre a importância da psicologia para o MMA.

Esta atuação de McGregor só vem a confirmar que o assunto merece, ao menos, passar a ser considerado pelos atletas da nova geração.

Em quase 30 anos cobrindo Vale-Tudo e MMA da beira do ringue (ou Octógono), não foram poucas as vezes que testemunhei gênios do jogo mental definindo lutas muito antes do evento começar. Já vi Pelé Landy vencendo Matt Hughes no Kuwait com uma intimada no elevador do hotel, vi Anderson desestabilizando o gangster inglês Lee Murray na frente de sua gangue com um empurrão na pesagem em plena Wembley e testemunhei Wanderlei Silva vencendo algumas lutas no PRIDE na encarada da pesagem. 

Existem ainda aqueles que têm o chamado coração de guerreiro, ou seja, uma capacidade inata de dar a volta por cima, como Rodrigo Minotauro (contra Bob Sapp e Cro Cop) e aqueles que tem os dois (coração e mental) como Anderson Silva (contra Chael Sonnen) e Wanderlei Silva (Quinton Jackson). Obviamente este não é o caso de Conor McGregor. Como vimos na luta com Khabib e Nate Diaz, o irlandês não tem o menor problema em sucumbir diante de um momento adverso, seja quando cansa ou é levado a uma posição de desvantagem. Ou seja, apesar de ser diferenciado no jogo mental, McGregor claramente não trouxe de fábrica o chamado "coração de guerreiro". 

Como podemos ver, a cabeça é um órgão de extrema importância para o MMA, e que tem sido negligenciado. Com a ajuda de psicólogos, o lutador pode aprender várias técnicas que o ajudem a dar a volta por cima ou reencontrar o caminho das vitórias. Por  isso, não canso de dizer que profissionais da psicologia precisam passar a fazer parte da rotina de atletas de ponta de MMA assim como fisioterapeutas, nutricionistas e preparadores físicos.

Quem será o próximo para McGregor?

Apesar de ser uma valência importantíssima, o jogo mental é apenas um dos diferenciais num esporte multidisciplinar como o MMA. Obviamente, McGregor e sua equipe sabem muito bem que depois desta volta em grande estilo contra um veterano que vinha de duas derrotas consecutivas, o caldo vai engrossar. Basta analisar a lista de prováveis próximos oponentes: Jorge Masvidal, Khabib Nurmagomedov, Kamaru Usman, Tony Ferguson, Nate Diaz, Justin Gaethje. Seja quem for o escolhido, Conor sabe que o jogo mental talvez não seja definitivo no seu próximo combate.

Brasil

Se realmente quiser cumprir a promessa de fazer três lutas em 2020, diria que Khabib ou Tony estão descartados, apesar de Dana White já ter dito na conferência de imprensa que o campeão russo seria a luta a se casar.

No entanto, vale lembrar que Khabib e Tony vão lutar no dia 18 de abril em Nova York. Ou seja, mesmo se a luta não for das mais sangrentas e terminar antes do 5º round, o vencedor só estaria apto a lutar com McGregor, na melhor das hipóteses, a partir de agosto. Partindo do princípio que o UFC está arriscando perder Borrachinha x Adesanya por não querer esperar o brasileiro se recuperar por dois meses de uma cirurgia, colocando Yoel Romero (que vem de duas derrotas) contra o campeão, também não faria o menor sentido manter o lutador mais rentável da empresa inativo por sete meses.

Levando isso em consideração, acho que uma segunda defesa do cinturão BMF com o super popular Jorge Masvidal seria a melhor escolha. Uma excelente oportunidade de faturar mais alguns milhões com Conor, contra um oponente cujo jogo pode ser interessante.

As outras três possibilidades, na minha visão, não fariam sentido. Por mais que tenha enorme apelo nos EUA, uma trilogia com um Nate Diaz vindo de derrota para Masvidal, não se justifica. Assim como colocar Kamaru Usman ou Gaethje contra Conor também seriam apostas arriscadíssimas. Até porque ambos são pesadelos estilísticos para o irlandês, que teria enormes chances de perder, jogando um balde de água fria em todas as milionárias opções futuras.

Agora as cartas estão na mesa e só nos resta aguardar as decisões dos matchmakers. O mais importante é que o ano começou a mil por hora. E a julgar pelos cards já definidos até maio, 2020 promete fortes emoções para o fã de MMA.

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