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Blog do Marcelo Alonso

Três edições do UFC históricas para o MMA brasileiro

Esta semana foi marcada pelo aniversário de três eventos históricos para o MMA nacional: UFC 15 (17/10/97); UFC 17.5 (16/10/1998) e UFC 64 (14/10/2006).

Tive a honra de cobrir estes três shows como fotógrafo e editor da Revista Tatame, e divido hoje com vocês algumas lembranças, por intermédio desta galeria de fotos e de alguns relatos curiosos dos bastidores destas noites que marcaram a carreira de alguns dos maiores ídolos do MMA nacional: Anderson Silva, Vitor Belfort, Pedro Rizzo, Carlão Barreto, Wanderlei Silva e Ebenezer Braga.

UFC 64: De ilustre desconhecido a ídolo mundial

Na última segunda-feira o MMA nacional celebrou um das datas mais marcantes de sua história: O dia em que Anderson Silva iniciou o maior reinado de um campeão peso-médio da história do evento.

Realizado no dia 12 de outubro de 2006, uma semana antes da primeira edição do PRIDE em Las Vegas, o UFC 64 mais parecia um aquecimento para o evento principal. Tanto que a maior parte dos jornalistas marciais não americanos optou por chegar na quarta-feira anterior ao PRIDE.

Tendo acompanhado as primeiras lutas de Anderson no Meca em Curitiba e também sua conquista de título no Cage Rage em Londres, tinha plena convicção que o brasileiro se consagraria também no UFC. Mas como a verba que dispunha não era suficiente para que eu me hospedasse até a outra semana (PRIDE) acabei reservando um hotel bem pequeno, distante do Mandalay Bay, onde Anderson estava com sua equipe.

Mas para minha sorte, antes de fazer o check-in, passei no Mandalay e o encontrei, no lobby do hotel. Foi quando Anderson fez questão de me convidar para ficar no quarto com seus treinadores Diógenes e Madison, geminado ao seu quarto. Um convite que me possibilitaria acompanhar de perto todos os detalhes daquele que seria o início da consagração do maior nome do MMA nacional.

O clima na equipe era de muita união, marcado também pelo eterno bom humor de Anderson, que nem parecia estar prestes a enfrentar um dos mais populares campeões do UFC, que tinha um recorde de 19 lutas e 18 vitórias (todas por nocaute ou finalização).otalmente desconhecido naquela época e sem o assédio de fãs, nem imprensa, Anderson fazia um verdadeiro stand up durante as refeições arrancando gargalhadas do grupo com suas imitações.

Curiosamente na noite anterior ao evento atendi o telefone no quarto. Um senhor da portaria, se identificando como ex-treinador de Franklin, dizia que precisava falar com Anderson, pois queria lhe dar umas dicas para vencer seu ex-pupilo. Passei o recado para Anderson e seu treinadores (Diógenes), que estavam no quarto ao lado. “Diga que agradecemos, mas já temos nossa estratégia”, me disse Diógenes. E assim o fiz.

Obviamente Franklin nunca soube deste fato, mas meio sem querer acabou agradecendo ao cavalheirismo do brasileiro. Na apresentação dos lutadores no Octógono, quando sua torcida vaiou o desafiante, o professor de matemática pediu que o aplaudissem, sendo prontamente atendido.

O que se viu a partir daí foi uma aula de muay thai. Após breve troca de golpes, Anderson conseguiu clinchar o pescoço do campeão, aplicando uma série de joelhadas nas costelas e no fígado. Franklin tonteou e Silva definiu. Primeiro uma joelhada que quebrou o nariz do americano e depois uma canelada que o nocauteou.

Enquanto a plateia silenciava diante da queda do ídolo, Anderson chorava de emoção, enquanto sua trupe invadia o Octógono fazendo um tremendo carnaval em plena Las Vegas.

Após a conquista, foi interessante testemunhar o nascimento de um dos maiores ídolos da história do esporte. Poucas horas após percorrer em poucos minutos o trajeto entre seu quarto no Mandalay e a arena, o assédio dos fãs fez Anderson demorar quase uma hora para fazer a mesma distância de volta até o seu hotel.

No dia seguinte, quando descíamos para fazer o check out, uma senhora de uns 80 anos no elevador perguntou: “Silva! Can I take a picture?” Lembro que Anderson, até então um ilustre desconhecido na América, me olhou assustado. Talvez entendendo o tamanho de seu feito e o reflexo disso em sua vida a partir dali.

Os shows de Rizzo e Belfort no primeiro UFC brasileiro

Na quarta-feira passada foi a vez do aniversário de 21 anos de outro evento histórico para o nosso MMA: a estréia do UFC no Brasil (16 de outubro de 1998) no ginásio da Portuguesa em São Paulo. Um show marcado por dois nocautes fulminantes (Vitor Belfort sobre Wanderlei Silva e Pedro Rizzo sobre Tank Abbott).

Apesar de não ser a última luta do card, o confronto entre Belfort e Wanderlei era considerado o mais importante do evento. Pelo menos para a torcida brasileira. Afinal de contas, esta seria a primeira vez que a equipe curitibana Chute Boxe, que vinha roubando a cena no IVC (com Pelé e Wanderlei), teria a oportunidade de medir forças contra um representante da equipe Carlson Gracie, que, na época, era considerada a maior potência do Vale-Tudo mundial.

Curiosamente, ambos tinham só seis lutas de Vale-Tudo no currículo, mas a fama internacional dava a Belfort um certo favoritismo, pelo menos no papel. Mas quem viveu os bastidores deste evento sabe que a história, na prática, não foi bem assim. 

Enquanto Wanderlei vinha motivadíssimo por um nocaute no IVC 6 sobre o wrestler americano Mike Van Arsdale, que tinha finalizado seu oponente na estreia do UFC 17, Belfort vinha de um momento conturbado (depois da derrota para Randy Couture, chegou a romper com Carlson).

Lembro que cheguei do Japão, onde tinha ido cobrir o PRIDE 4, na quarta-feira antes da luta e as informações de bastidores davam conta de que o “Fenômeno” estaria com problemas de saúde e talvez não lutasse.  O fato é que até o dia do evento ninguém cravava se Belfort lutaria. Nem mesmo o motivo exato da sua possível retirada. giardíase, fortes dores de cabeça, desinteria, amarelamento?

Mas o fato é que no dia da luta o Fenômeno resolveu aparecer e quando a porta do Octógono se fechou e o juiz Big John McCarthy proferiu seu clássico “Let´s get it on”, surpreendeu a todos. Em exatos 45 segundos, Belfort conectou uma fulminante sequência de jabs e diretos rebocando Wanderlei do centro ao canto do Octógono, onde o curitibano caiu nocauteado. Neste momento, vários parceiros de treino de Belfort invadiram o octógono para comemorar a volta do Fenômeno enquanto os gritos de “jiu-jítsu! jiu-jítsu!” ecoavam em todo o ginásio da Portuguesa.

Na outra luta muito aguardada pelos fãs brasileiros, o peso-pesado Pedro Rizzo, depois de vencer duas edições do torneio WVC, fazia sua estreia no UFC pegando Tank Abbott, que chegava ao Brasil motivado após uma vitória rápida sobre Hugo Duarte no UFC 17. 

A quatro dias do evento, Pedro abriu um corte abaixo do olho treinando com Ebenezer. E para não deixar o ponto fraco visível ao oponente, acabou usando um recurso nada ortodoxo, a cola super bonder. “Eu sabia que o primeiro soco que entrasse abriria, mas não havia outro jeito”, justificou Pedro.

Mas na luta, Rizzo, empurrado pela torcida, cumpriu seu papel fazendo uma estreia brilhante. Como era esperado, Tank veio com a agressividade habitual e acabou levando um knockdown logo no começo. A luta voltou em pé e, na sequência, Tank conseguiu derrubar Rizzo e abriu seu corte com alguns socos. Mas diante da falta de ação do norte-americano, o árbitro paralisou e voltou o combate em pé. Foi a partir daí que o discípulo de Ruas achou o mapa da mina e passou a minar o gorducho com caneladas. Já capengando, Tank acabou sendo surpreendido por um gancho de direita que o levou a nocaute a 8m02s.

Assim que o norte-americano caiu, um grupo enorme invadiu o Octógono para comemorar com o discípulo de Ruas, que mostrava, como uma bandeira, a camisa com a foto do mestre. “Falaram que cada pessoa que invadisse, descontariam 10% da minha bolsa, quando eu vi aquela multidão comemorando comigo achei que iria pagar para lutar”, lembra Rizzo hoje às gargalhadas. Três meses depois desta luta, Pedro voltaria ao Octógono para vencer na decisão o ex-campeão dos pesados Mark Coleman em mais uma atuação de gala.

Outro brasuca que participou do card e levantou a galera foi o parceiro de treinos de Rizzo, Ebenezer Braga, que finalizou o experiente Jeremy Horn com uma guilhotina a 3min25s de luta. Depois deste evento, Ebenezer, que já era respeitado mundialmente após as guerras no Brasil com Dan Severn (IVC 1) e Kevin Randleman (UVF 6), foi lutar no Japão. Primeiro no Pancrase e depois no PRIDE.

UFC 15: “O dia em que a casa caiu no Mississipi”

Para completar esta série de aniversários históricos para o MMA nacional, na última quinta foi a vez do UFC 15 celebrar 22 anos. Mas infelizmente, ao contrário do UFC 64 e 17.5, as lembranças não são das melhores.     

Depois de um ano de 1996 traumático, marcado por dois confrontos históricos entre jiu-jítsu e wrestling (Murilo Bustamante x Tom Erikson e Fábio Gurgel x Mark Kerr), em que os norte-americanos tinham mais de 30kgs de vantagem na balança, em março de 1997 Carlão Barreto finalizou Kevin Randleman na final do UVF 6 mostrando que em igualdade de condições o jiu-jítsu ainda era melhor.

O UFC 15 vinha sendo encarado pelos fãs brasileiros como o evento da redenção onde o jiu-jítsu viraria o placar. Afinal de contas, Carlson Gracie, a maior potência do MMA nacional, chegava com dois dos seus principais representantes (Carlão Barreto, no peso-pesado e Vitor Belfort, até 93kg), ambos invictos e ansiosos para lutar contra os rivais do wrestling: Mark Kerr e Randy Couture, respectivamente.

Carlão Barreto seria o representante do jiu-jítsu num torneio absoluto com grandes chances de pegar Mark Kerr na final, caso vencesse o canadense Dave Beneteau na primeira luta. Já na super luta, Vitor Belfort enfrentaria o talentoso wrestler Randy Couture, vencedor do torneio do UFC 13.

É curioso lembrar que esta edição, recheada de estrelas, foi realizada num pequeno cassino em Bilox, uma lona de circo com capacidade para menos de 500 pessoas.

Infelizmente a noite não foi nada boa para os brasileiros. Vitor, com 103kg e extremamente lento, sofreu sua primeira derrota para Couture (nocaute técnico aos 8min16s do 1º round), enquanto Carlão Barreto perdeu para Beneteau, numa decisão pra lá de polêmica, e acabou não fazendo a tão esperada luta contra Kerr na final do torneio.

O clima de enterro da equipe brasileira só foi amenizado no dia seguinte quando Wallid fez todo mundo gargalhar ao me sugerir uma manchete fúnebre para a capa da próxima Tatame: ‘O dia em que a casa caiu no Mississipi”. Uma pérola que acabaria marcando aquela viagem.

Mas depois deste traumático UFC 15, tanto Carlão quanto Belfort deram a volta por cima em suas carreiras. Sete anos depois desta derrota, Belfort conquistaria o cinturão dos pesos meio-pesados vencendo a revanche com Couture no UFC 46. Já Carlão Barreto nunca mais teria a chance de vingar a derrota para Beneteau, mas após esta polêmica luta conquistaria o cinturão do IVC e, na seqüência, continuaria sua carreira internacional no PRIDE e Rings.