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Em 12 de novembro de 1993, Art Davie e Rorion Gracie começaram uma revolução. Não que eles soubessem disso naquela época. A dulpa apenas queria fazer um evento, que eles nomearam como Ultimate Fighting Championship, que colocaria em prática a velha pergunta de qual arte marcial seria a mais efetiva em uma luta real.
Neste ano, o UFC celebra o seu 30° aniversário. Parece que Davie e Gracie sabiam um pouco de algo que o resto do mundo desconhecia.
"(O primeiro diretor criativo do UFC) John Milius e eu costumávamos falar em termos sobre onde estávamos e onde isso iria chegar", disse Davie em 2018. "E John sabia que eu tinha sido inspirado pelo pankration. Minha grande inspiração para o UFC não foi o Kumite, na Ásia, foi pelo fato de que por mais de mil anos, o esporte mais popular e o único esporte a rivalizar com corridas de cavalo era algo chamado pankration. E contando que não podia morder e colocar os dedos nos olhos do outro, tinha chutes e socos, quedas, seguradas e estrangulamentos. Luta em pé e luta no chão. E isso durou por 1041 anos até o emperador romano bani-lo".
"Então a gente costumava falar sobre esse assunto no dia a dia, com o fato de que talvez futebol e lutas eram os dois esportes que homens e mulheres jovens estariam interessados em escala mundial, de uma forma que não é assustador ver a maneira como isso cresceu. E quando sou perguntado onde acho que ele estará depois que eu deixar esse mundo, ele estará ainda maior. Você estará coroando o campeão do UFC e quem sabe quantas pessoas do mundo estarão fascinadas pelo que assistirão naquela noite".
O resto do mundo - talvez até os lutadores que competiram na McNichols Sports Arena, no Colorado, naquela noite de novembro - tinham qualquer ideia do esperar.
Mas em 1933, o primeiro evento do UFC foi um mistério. Enquanto Davie e Gracie, junto de Milius e o Semaphore Entertainment Group (SEG), casa de Campbell McLaren e Bob Meyriwutz, estavam a par de tudo, o resto do mundo - talvez até os lutadores que competiram na McNichols Sports Arena, no Colorado, naquela noite de novembro - tinham qualquer ideia do esperar.
A lenda do kickboxing Kathy Long, que comentou as lutas ao lado de Bill Wallace e Jim Brown, tinha uma ideia.
"Eu estava acostumado com o Kung Fu San Soo, e se você é familiarizado com aquela arte marcial, onde você estica seus dedos nos olhos da pessoas, pisa em seus pés e agarra seus testículos para amassá-los, então esse era um tipo de luta que eu não estranhava muito", disse Long em 2021.
Não teria nada disso no UFC 1, apesar de tudo ser permitido além de mordidas, golpes baixos e dedos nos olhos. Enquanto tínhamos alguns lutadores com currículos excepcionais em suas artes marciais naquele primeiro card, os dois que chamaram mais a atenção dos fãs casuais foram Ken Shamrock e Royce Gracie. Um parecia que poderia quebrar um muro caso colidisse contra um, o outro que o vento poderia levá-lo para longe se fosse muito forte. E enquanto muitas pessoas dentro dos esportes de combate acreditavam que o UFC era simplesmente uma propaganda para o jiu-jítsu dos Gracie, Rorion não escolheu o mais intimidador membro de sua família - Rickson - para competir no torneio que reunia oito homens.
"Eu estava ansioso para que Rickson fosse o lutador Gracie escolhido para participar e o Rorion (co-fundador), em julho, ainda não tinha feito a escolha", relembra Davie. "Em maio, eu estava com pessoas respondendo meus anúncios em revistas, fax e minhas ligações, e Rorion disse 'Sabe, esquece meus problemas políticos com Rickson; seria melhore ter Royce'. E eu disse 'Por qual motivo?', e ele respondeu 'Ele parece um pequeno coroinha com aquele kimono. Se ele ganhar o evento, é algo como se fosse o Bruce Lee. Um cara pequeno com habilidade pode vencer um cara grande'. Eles queriam ver se a técnica seria dominante. Ken Wayne Shamrock parecia o Capitão América. E com esse nome, que já muito marcante, junto de um rosto bonito, queixo largo, músculos e explosão nas lutas. Era completo. Se ele vence, não sei se estaríamos conversando hoje em dia".
Royce Gracie, aos 26, foi chamado para o primeiro UFC, e junto disso veio toda uma pressão em suas costas. Mas ele agiu conforme toda a sua carreira: calmo, tranquilo e concentrado.
"Ao mesmo tempo em que eu sabia que tinha uma pressão, eles estavam tirando de mim a pressão me dando confiança", disse Gracie. "É isso que o jiu-jítsu Gracie te dá - te dá confiança. É como se você tivesse visto esse filme antes, é só entrar ká e fazer isso. Eles me falavam 'Quando você entrar lá, é apenas um homem contra outro. É você contra ele'. E não tinha mistério algum nisso. Você não está enfrentando cinco pessoas, você está enfrentando apenas um, então não se preocupe com isso".
Royce lutou contra três homens em Denver, finalizando Art Jimmerson, Shamrock e Gerard Gordeau para vencer o primeiro torneio do UFC. Uma estrela - e um esporte - nasceram nos Estados Unidos.
O brasileiro voltou a vencer mais dois torneios e empatar em uma revanche contra Shamrock em 1995 antes de ir ao Japão. A partir disso, o UFC iniciou sua grande jornada, com Shamrock sendo acompanhado por uma seleção de novos wrestlers americanos de grande calibre, como Dan Severn, Don Frie e Mark Coleman, a estrela russa Oleg Taktarov, e o sempre divertido Tank Abbott.
"Nós estávamos perdendo dinheiro em todo evento", disse Mayrowitz. "Nós fomos banidos da TV a cabo, e eu estava no tribunal em qualquer lugar que íamos."
Enquanto os anos passavam, o esporte evoluiu em diversos setores, como ter decisão de juízes, categorias de peso e a adição de luvas. A controversia também seguiria, com o marketing tentando ultrapassar a ia dos políticos e o banimento do UFC do pay-per-view.
"Nós estávamos perdendo dinheiro em todo evento", disse Mayrowitz. "Nós fomos banidos da TV a cabo, e eu estava no tribunal em qualquer lugar que íamos."
Nos bastidores, o esporte - agora chamado de artes marciais mistas ao invés de vale tudo - teve que passar por mudanças praticamente infindáveis para fazer com que ele fosse mais seguro para os competidores, empolgante para os fãs, e para que ficasse no mesmo nível dos outros esportes de combate. Se o MMA iria um dia quebrar as correntes que o seguravam, esse tipo de mudança precisaria vir. E ela veio em setembro de 2000 com a chegada das tão esperadas Regras Unificadas das Artes Marciais Mistas, que foram aceitas pela prestigiosa Comissão Atlética Estadual de New Jersey, e o UFC 28 em novembro de 200 foi o primeiro evento regulamentado por este conjunto de regras - que ainda governam o esporte até hoje.
Contendo diversas categorias de peso, critérios de julgamento, formas de vencer uma luta, regulamentações de segurança e quase 30 tipos de penalidades, essas regras são a bíblia pela qual o MMA é gerenciado, focando na segurança do lutador e em um jogo limpo.
"Em todo evento algo aconteceria e nós faríamos uma regra sobre isso ou iríamos aprender algo e chamar a atenção para não fazer isso ou aquilo", disse o juiz John McCarthy, que junto do comentarista e ex-atleta olímpico Jeff Blatnick e o matchmaker Joe Silva, ajudaram com o primeiro esboço das regras. "Foi uma progressão, e por sorte, as coisas evoluíram com o tempo."
Isso foram boas notícias. As notícias ruins eram que o UFC tinha problemas financeiros e estava no caminho da extinção.
Entram Dana White, Lorenzo Fertitta e Frank Fertitta
White e os irmãos Fertitta eram amigos de longa data, e quando o trio descobriu que o UFC estava à venda, eles foraram uma nova companha - Zuffa - e compraram a organização em janeiro de 2001.
Essa foi a parte fácil. A parte difícil era consertar uma marca marcada de forma negativa, colocar o esporte de volta na TV a cabo e regulá-lo nas 50 comissões atléticas dos estados e em todo o mundo. Bem, em italiano Zuffa significa "lutar", e uma longa luta estava apenas no começo.
Enquanto isso, os fãs começaram a se interessar novamente, com as novas estrelas como Tito Ortiz, Chuk Liddell, Randy Couture, Matt Hughes e BJ Penn entregando performances memoráveis em um esporte que evoluiu do estilo antigo de uma arte marcial contra outra para combates onde o mais habilidoso, com melhor condicionamento e mais determinado sairia vitorioso. Os lutadores não podiam ser mais unidimensionais e vencer apenas de uma forma, já que os lutadores de elite eram aqueles que conseguiam ser competentes independente onde o duelo ia.
No UFC 33, em setembro de 2001, o esporte voltou ao pay-per-view (e sancionado na "Capital Mundial da Luta", Las Vegas), e em 2002 uma super-luta entre Ortiz e Shamrock trouxe ainda mais atenção da mídia geral. Mesmo assim, ao fim de 2004 as coisas não estavam boas financeiramente e a Zuffa estava próxima de jogar a toalha.
"Era brutal", disse White, o presidente do UFC. "Nós estávamos aguardando pelo dia em que a tomada seria puxada. A gente sentia que estava ganhando momento e tração, mas não era o suficiente para nos tirar do buraco em que estávamos, e não parecia que tinha nenhum tipo de luz no fim do túnel".
Lorenzo Fertitta decidiu que a companhia estava perdendo muito dinheiro para se manter viável e em uma noite ele disse para que White procurasse um comprador. Na manhã seguinte, ele mudou de ideia e disse ao seu parceiro que estava disposto a dar mais uma chance.
Esse tiro tinha que acertar o alvo...e acertou.
"Boom, 'The Ultimate Fighter'", disse White do reality show que levou telespectadores a assistir a vida de estrelas em ascenção do MMA em busca de um lugar ao sol. Depois de ficarem juntos em uma casa em Las Vegas, os finalistas dos torneios do peso-médio e do peso meio-pesado iriam competir ao vivo na Spike TV em busca de um contrato com o UFC.
Em 9 de abrul de 2005, Diego Sanchez derrotou Kenny Florian para ganha o contrato do peso-médio do TUF 1. Então vieram os meio-pesados Forrest Griffin e Stephan Bonnar, e depois de 15 minutos insanos, as fortunas de ambos os lutadores e do UFC mudariam para sempre.
Griffin, o vencedor do combate, e Bonnar ganharam contratos com o UFC. O UFC ganhou uma nova vida, já que a Spike TV assinou um contrato para uma nova temporada do TUF, e os fãs que assistiam em casa não tinham artes marciais mistas suficiente apenas no Octógono.
O The Ultimate Foghter ajudou a acabar com mitos e mal entendidos sobre as artes marciais mistas, e Griffin e Bonnar extinguiram qualquer coisa relacionada à barbarie completamente. Griffin era um ex-policial com bacharelado em Ciências Políticas pela Universidade da Geórgia; Bonnar tinha um diploma da Purdue University em Medicina Esportiva. Eles eram educados, carismáticos e comunicativos. Eles também gostavam de lutar em lutas de boxe sancionadas, e na época do TUF 1, ambos eram apenas promessas em um esporte que não te dava nenhuma esperança que você ganharia dinheiro. O The Ultimate Fighter foi muito mais do que apenas seus vencedores, pois a vitória no torneio dava um contrato de seis dígitos com o UFC.
E com a dupla se tornando estrelas no Octógono, o mesmo Octógono passou a tirar seu passaporte. Em 2007, ele começou sua expansão internacional com um retorno à Inglaterra, e logo ele estava em diversos lugares do mundo.
De volta aos Estados Unidos, o hall da fama do boxe Marc Ratner se juntou ai time e liderou a luta para ter o MMA sancionado nos 50 estados, um objetivo que ele completou. E hoje, quando vemos que você adicionou negociações com a Endeavor, ESPN, Fox Sports, Reebok, Venum e tantas outras grandes empresas, fica claro que três décadas após seu nascimento, o UFC é hoje a companhia esportiva que cresce mais rapidamente no mundo. Algo que fica claro toda vez que homens e mulheres competem no Octógono e mostram como o esporte evoluiu.
Mais do que espetáculo em si dos dias de seu início, as lutas do UFC cobrem uma gama imensa de artes marciais, com nocautes devastadores, finalizações inacreditáveis, combates técnicos, rivalidades e todas as coisas necessárias para deixar os fãs em pé do início ao fim. E agora, junto dessas lutas, temos ex-atletas olímpicos, grapplers condecorados, faixas-pretas em diversas artes marciais, brigadores da velha escola e muito mais. Está claro que o UFC se manteve em pé com o tempo e é tem sua estrutura mais firme do que nunca.
Mas isso não é o fim. Passados 30 anos, a história do UFC apenas começou.
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