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Alguns conselhos para Cris Cyborg

Flávio Canto, Rodrigo Minotauro e uma coach especialista em esportes contam como dar a volta por cima após uma derrota

Sabe aquela máxima: “Se conselho fosse bom cobrariam por ele, não o dariam de graça”? Pois então: esqueça-a – ao menos ao ler esta matéria.

Substitua o dito popular pelo pensamento do escritor e filósofo holandês Erasmo de Roterdã, um humanista da época do Renascimento: “Não há presente melhor do que o bom conselho”.

Um pouco mais cínico, o dramaturgo espanhol Félix Lope de Vega cravou, um século mais tarde, outra pílula de sabedoria: “Não há coisa tão fácil como dar conselho, nem mais difícil do que sabê-lo dar”.

O que tem o retorno de Cris Cyborg ao Octógono, no UFC 240, no Canadá, a ver com isso tudo? É porque acreditamos na junção desses dois aforismos acima que resolvemos procurar pessoas capazes de dar bons conselhos a ela – e também que sabem fazer isso.

Brasil

Rodrigo Minotauro e Flávio Canto são ex-atletas que já passaram exatamente pela mesma situação de Cris: sofreram derrotas importantes em suas carreiras, mas souberam dar a volta por cima e brilhar novamente. E Thais Rodella é educadora física especializada em gestão e life coaching e criadora do projeto Unalome de Desenvolvimento & Bem-Estar.

A curitibana Cris Cyborg foi derrotada em dezembro do ano passado por Amanda Nunes, e perdeu não só o cinturão dos pesos-penas como também a invencibilidade mais longa do MMA, de 13 anos. Neste sábado, ela faz seu retorno contra Felicia Spencer, que luta em casa.

Os conselhos para a brasileira estão abaixo. Antes deles, uma outra máxima, esta do crítico literário inglês John Churton Collins: “Aproveitar um bom conselho requer mais sabedoria do que dá-lo”.

Os caras que passaram por isso

Quem é: Flávio Canto, medalha de bronze olímpica no judô

O que ele diz: “Eu cresci perdendo. Comecei tarde a lutar, com 13 para 14 anos, então demorei muito para começar a ganhar. E isso significa que minha formação foi construída em cima de derrotas, e não em cima de vitórias. Ao longo da minha caminhada, depois que eu já tinha bons resultados, perder e lidar com a derrota era mais natural do que para meus adversários e amigos que cresceram como garotos-prodígio e campeões.

A gente viu a Ronda enfrentar essa dificuldade depois de perder para a Holly Holm: ela voltou, perdeu para a Amanda e saiu do UFC. Talvez ela estivesse preparada para vencer, mas não estivesse preparada para a hipótese de perder.

Em relação à Olimpíada de Sydney [em 2000], perdi uma seletiva em que teoricamente era favorito e fui para lá como reserva. Em 2003, ganhei os Jogos Panamericanos e em 2004 fui para os Jogos [em Atenas] e aconteceu minha medalha olímpica, que é uma medalha de bronze, mas superimportante em minha trajetória. Em 2006 eu fiquei em primeiro no ranking mundial, então depois de Sydney eu tive uma volta bem legal.

Mas eu começo a construir a melhor história da minha vida, que é o Instituto Reação, depois da derrota [ele foi criado em 2003]. Na arte marcial, a gente tem que estar sempre muito antenado na oportunidade que as grandes derrotas trazem para a gente de voltar diferente, de aprender com elas – e não voltar para o mesmo lugar, porque isso é burrice, é não aprender nada com o que aconteceu. A gente tem que construir alguma coisa diferente e nova depois que toma um tombo, depois de uma derrota, para voltar mais forte e melhor.

Essa é uma oportunidade para a Cyborg ter um outro olhar e voltar ainda mais forte

Quem é: Rodrigo Minotauro, ex-campeão de MMA

O que ele diz: “Tive uma experiência não como a da Cris, de ganhar por 13 anos seguidos, mas de ter uma invencibilidade de 13 lutas seguidas e vou dizer: passar tanto tempo ganhando é um peso que levamos nas costas. É uma expectativa que o público cria em cima de você, de que você é invencível. A derrota mostrou para a Cris e para os fãs dela que ela é humana. E acho que isso vai criar uma conexão ainda maior com o público.

A Cris é uma das pessoas que mais treinam que eu já conheci no esporte. É muito preocupada não só com técnica, mas com a parte física. Ela corre e repete muito os movimentos, os exercícios. Tive a oportunidade de vê-la treinar em San Diego há muitos anos e fiquei impressionado com a dedicação dela. E isso vai ser bom para ela na volta, porque ela sabe o quanto está preparada.

Talvez ter perdido o título vá deixar ela com mais fome, com mais vontade

A especialista em mente

Quem é: Thais Rodella, life coach

O que ela diz: “O esporte contemporâneo está totalmente condicionado ao modelo vitória X derrota e o atleta tem que ser antes de tudo um vencedor. O êxito, no entanto, não aparece só na vitória. Ele aparece quando o rendimento esperado foi alcançado ou superado, só que a experiência da derrota só é percebida como fracasso – e isso para todos os personagens envolvidos: o próprio atleta, os dirigentes, os torcedores, os investidores.

Existe mesmo muita dificuldade em lidar com a derrota. Não estão em questão só os ganhos materiais, mas também seu reconhecimento social. A derrota é uma sombra do esporte contemporâneo.

Ao mesmo tempo, precisamos entender que ter clareza dos erros cometidos e dos pontos que precisam de aperfeiçoamento são características fortíssimas de um atleta, principalmente de alto nível. Só que junto dessas características, outra coisa muito marcante desse atleta de competição é a coragem para o estado de vulnerabilidade. Em nenhum aspecto de nossa vida existe uma ação corajosa sem risco.

É preciso aprender a cada dia a valorizar nossos processos, nossas fases, nossas conquistas e nossos limites, e compreender que o risco é determinante para a felicidade. E que estar vulnerável é a única maneira de estarmos abertos e preparados para o melhor, para o nosso dia, para nossa carreira e para nossas reais felicidades.”

CINCO PONTOS PARA DAR A VOLTA POR CIMA

Thais Rodella ensina como fazer a derrota virar um aprendizado – e isso vale para você também!

1. Reconhecer os erros, os limites e quais são nossas reais intenções em relação ao nosso sonho.

“É preciso pensar onde falhamos, quais pontos podemos desenvolver e quais os que não precisamos desenvolver, mas sim enaltecer. Quais são nossos limites pessoais, emocionais? Precisamos de ajuda, de intervenção de outros profissionais para que consigamos dar passos mais seguros? E qual minha real intenção com isso tudo? Para onde eu quero ir e como quero que isso aconteça na minha vida? Temos que ser muito responsáveis com essas nossas intenções, com nossos sonhos, porque eles têm mesmo muita chance de se tornarem realidade.”

2. Reconhecer que vitória e derrota em todos os aspectos de nossa vida são experiências, e não lugares onde chegamos.

“O clichê básico de que a jornada é o que interessa é muito verdade. Os dois termos ‘vitória’ e ‘derrota’ são um processo. Aceitar que isso é uma experiência gera menos expectativa do que achar que é apenas um lugar no pódio ou um patamar.”

3. É preciso disciplina, respeito e gentileza com a gente mesmo e com os nossos sonhos.

“Costumamos ser gentis com o sonho dos outros, mas não na mesma intensidade com os nossos próprios. Mas a gente precisa ter disciplina e planejamento para que tudo isso aconteça, além de respeito com tudo, com nossa história, com nossa bagagem. E realmente respeito com as nossas derrotas e com nossas conquistas.”

4. Opiniões são muito válidas, mas é preciso um filtro de quem realmente pode gerar impacto em sua vida.

“Tomem sempre cuidado com as pessoas que usam o termo ‘crítica construtiva’, porque nem sempre a intenção da pessoa é uma construção de fato. Às vezes é só mágoa mesmo. Por isso é preciso esse filtro: o que vai impactar realmente nessa sua jornada?”

5. Lembrar que resiliência e propósito são muito mais do que palavras da moda.

“São o que nos fazem sair da nossa cama, produzir, criar condições para viver mais e melhor, porque aquilo que você não faz diz tanto sobre você do que aquilo que você opta por fazer. É preciso estar com isso tudo bem amarradinho para todo dia ser um novo dia.”