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Quatro vitórias e quatro derrotas. Pensando bem, o UFC do último sábado não foi dos piores para os representantes brasileiros. Glover, Sakai, Dhiego e Durinho venceram, enquanto Jandiroba, Lineker, Cowboy e Jacaré perderam na decisão.
Mas a tristeza que arrebatou a maioria dos fãs ao final da noite era plenamente justificável pela surpresa da derrota de um lutador que está há cinco anos entre as maiores esperanças de cinturão na divisão dos médios. Na realidade o motivo da angústia não era a derrota em si, mas a estratégia usada por Jacaré. Afinal de contas, como um dos maiores grapplers da história do esporte lutou cinco rounds contra um striker com 14cm de vantagem na envergadura sem tentar derrubá-lo?
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Na entrevista dada a repórter Evelyn Rodrigues do Combate.com logo após a luta, Jacaré tratou de aumentar ainda mais a agonia dos fãs. “Essa é a pergunta que estou me fazendo agora: por qual motivo eu não tentei nenhuma queda? Eu estava treinando tão bem chão, estava botando tão bem para baixo… mas na hora ali deu tudo errado. Eu só peço desculpas aos fãs brasileiros que estavam esperando uma vitória. Para mim, foi muito frustrante”.
A resposta para esta pergunta é uma questão crucial tanto para Jacaré quanto para Glover Teixeira, seus treinadores e, principalmente, para os fãs. A idade afeta diretamente as valências físicas e o lutador precisa adaptar seu jogo a esta nova realidade. Na realidade, Jacaré não conseguiu responder o motivo de não ter tentado derrubar Hermansson, simplesmente porque ele não é racional, mas sim puramente instintivo, chama-se instinto de autopreservação.
O MMA não é chamado de triatlo das lutas por acaso. Ele é indiscutivelmente um dos esportes que mais exige de seus atletas. Já pararam para comparar a longevidade de nossos lutadores com esportes que exigem muito menos fisicamente, como basquete, vôlei, futebol, natação e boxe? Quantos ídolos destas modalidades se mantém no topo da pirâmide aos 39 anos? São raríssimas exceções. Obviamente, as dificuldades são infinitamente maiores no MMA, onde, além da perda natural de performance, existem dezenas de contusões mal curadas, fruto de anos de treinamento duro em várias modalidades de luta, além das adquiridas durante a preparação física e no combate em si. Não por acaso, atletas como Glover Teixeira e Ronaldo Jacaré, que passaram boa parte de suas carreiras entre os Top 5 de suas divisões, numa rotina de sparrings duríssimos, decidiram nos anos derradeiros de suas carreira migrar para equipes menores (Jacaré saiu da X-Gym e passou a treinar na Fusion X-Cell, na Flórida, em 2017, e Glover parou de fazer seus camps na ATT para treinar com alunos em sua própria academia, em Connecticut).
Obviamente, esta decisão de preservar o corpo, com vistas a postergar aposentadoria, impactou na carreira de ambos e isso tem ficado patente em suas performances desde 2016. Depois de ser nocauteado por Anthony Johnson e Alexander Gustafsson, Glover virou uma espécie de porteiro dos Top 10 dos meio-pesados. Continua sendo um dos atletas mais completos da divisão e proporcionando lutas emocionantes, mas graças à perda de velocidade e diminuição da resistência a pancadas, tem sofrido knockdowns em quase todas as lutas.
No caso de Jacaré, a mudança salta ainda mais aos olhos uma vez que seu jogo (tanto no jiu-jítsu quanto no MMA) sempre foi baseado em suas principais valências físicas: força, explosão ininterrupta, que, somadas a seu judô de faixa-preta, um chão de excelência e uma capacidade cardiopulmonar de atleta olímpico, transformavam o capixaba num dos pesadelo da divisão dos médios. Não por acaso, conquistou vários títulos mundiais no grappling (jiu-jítsu e ADCC) e vinha fazendo o mesmo no MMA, onde conquistou o cinturão do Strikeforce. Com a saída de cena do parceiro de treinos Anderson Silva, tudo levava a crer que o cinturão do UFC era questão de tempo. Até que em 2016 Jacaré tomou duas decisões que impactaram diretamente na realização de seu sonho: aceitar lutar uma eliminatória para o título com Robert Whittaker com uma ruptura total do músculo peitoral direito e se mudar para uma micro equipe na Flórida, a meca do MMA mundial, onde tinha portas abertas na ATT, Blackzilians (atual Hard Knocks 365) e MMA Masters.
Os dois testes duros que teve na sequência (Weidman e Gastelum) deixaram claro os efeitos da decisão. E a resposta para Jacaré não tentar quedas contra Hermansson vem daí: Instinto de autopreservação. Pela maneira como cansou tentando derrubar Gastelum, Jacaré inconscientemente sabia que lutar com o tanque de gasolina na reserva com um oponente de alta periculosidade, como Hermansson, seria suicídio. Se chegasse ao 3º round, como chegou com Gastelum, poderia ser facilmente nocauteado ou guilhotinado nos rounds subsequentes. Por isso optou por se preservar e tentar fazer o mesmo que na luta com Weidman: apostar na mão direita salvadora. Não funcionou.
Repaginando jogo
Obviamente, a derrota não significa o fim da linha para Jacaré. A não ser que ele queira parar. Caso opte em continuar, ainda tem condições de dar trabalho a vários oponentes do Top 10. Mas é absolutamente necessário encarar a realidade e reconhecer as perdas naturais em decorrência da idade e repaginar seu jogo, como têm feito vários outros veteranos. E o mesmo vale para Glover Teixeira. Sempre digo que MMA não é videogame, mas nestes casos vale uma exceção, como exemplo. Nos jogos de luta temos que saber combater com as armas que nos proporcionam os personagens que escolhemos.
Glover continua sendo um dos atletas mais completos da divisão e pode facilmente compensar a perda de velocidade, reflexos e capacidade de absorção afiando mais seu ótimo wrestling (trazendo novas armas além de seu previsível single leg). Uma outra medida necessária, que tem sido muito bem aplicada por Arlovski, seria evitar a loteria das trocas francas. Com o boxe alinhado que tem, o mineiro tem condições de passar a jogar no contragolpe, evitando tomar tantos knockdowns e estendendo sua carreira por mais alguns anos.
No caso de Jacaré, o mais importante é voltar a levar os oponentes ao solo. E para isso o capixaba terá que estudar com seus treinadores maneiras mais assertivas de fazê-lo, gastando menos combustível. Ou seja, investir em algumas variações de quedas de wrestling na grade, combinadas em sequência com suas "varridas" do judô, poderia ser um bom caminho. Além, obviamente, de um trabalho para melhorar a movimentação no boxe, que são essenciais para a nova realidade física de Jacaré.
No ano em que completam 40 anos, tanto Glover quanto Jacaré deveriam seguir o exemplo de outros lutadores que vêm fazendo testes no instituto de Performance do UFC, uma ferramenta gratuita para otimizar treinamento, nutrição e até fisioterapia para contusões. A utilização é gratuita para todo atleta do UFC e tem deixado maravilhados não só atletas da casa, mas diversos atletas de esportes olímpicos que passaram por lá.
Se compreenderem estas perdas naturais em decorrência da idade e trabalharem para adaptar seus jogos, tanto Jacaré quanto Glover têm plenas condições de continuar dando trabalho para os melhores da divisão por mais alguns anos. E, quem sabe, até tentar uma derradeira disputa de cinturão. Afinal de contas, com os constantes casos de quedas de lutas nas vésperas, basta estar ranqueado e preparado para receber uma chance. Quem sabe, sem a pressão que o estressa há tantos anos, e quando menos espera, Jacaré consegue realizar seu sonho e de tantos fãs brasileiros.